Resenha - A Trindade como história: ensaio sobre o Deus cristão

Resenha - A Trindade como história: ensaio sobre o Deus Cristão – Bruno Forte

                                                                                                                                  Romulo Freire

 

Segundo Karl Rahner, a concepção de Trindade só foi possível pela história da revelação de que a Trindade econômica é a Trindade imanente, em vista de que esse mistério divino é compreendido por meio da história da revelação, ou seja, a Trindade na história manifesta a Trindade na glória. O Deus que nos vem ao encontro na revelação sob a ação do Espírito Santo, é a sua realidade do eterno, proporcionando com profundidade e autenticidade a experiência de conhecimento do mistério da divindade.

A Trindade se dá na correspondência entre economia e imanência do mistério como realidade de salvação e experiência de graça, de maneira a pensar Deus de dentro de Deus, no conceito cristão de divinização. Para aquele que crê, é estar inserido no Deus trino pelo ato salvífico do Verbo encarnado e do Espírito divinizador, por isso a necessidade de tomar posse de uma vivência trinitária, tanto para a Igreja quanto para a realidade histórica do cristianismo, de modo a fazer com que a Trindade seja um pensamento espiritualmente vital para os crentes e teólogos. Há uma necessidade urgente, um problema universal, pessoal e coletivo, que é o de aprender a amar pela força eterna do amor que é a Trindade, para atingir no amor a verdade da vida.

A transcendência e a ulterioridade de Deus em si, deixa apropriar-se de duas vias: da apófase e da escatologia. A apófase (o assombro, a adoração, o silêncio) necessários perante o absoluto, pois o mistério trinitário exige discrição e modéstia, correspondendo a Ele no silêncio da escuta e na contemplação do amor vivido. Quanto mais cresce o conhecimento do mistério, mais fecundo se revela o silêncio, que pela experiência dos místicos e dos que vivem no Espírito, a teologia trinitária é chamada a nutrir-se de oração, a deixar-se contagiar pela beleza e a ser difusora de paz. A escatologia (transcendência do presente no futuro porvir, garantido pela história da revelação como o futuro do Deus trinitário com os homens) dada a síntese escatológica em que “Deus será tudo em todos” (1Cor 15, 28) rumo as profundezas do Deus vivo, que busca libertar o crente das potências da morte para conduzi-lo a futura promessa da vida, desmascarando o engano de toda saciedade aparente, estimulando os peregrinos a empenhar-se na busca da justiça e da paz do Reino.

O evento Pascal revela a história do Filho, ao se entregar à morte por amor aos pecadores e em obediência ao Pai. Ao ressuscitar, se mostrou vivo e realizou a efusão do Espírito recebido do Pai, sobre toda a carne. O ser ativo do Filho é entendido em relação ao primado do Pai na existência acolhida, totalmente vivida a fazer a vontade de Deus.

            Ele não existe para si, mas para o Pai e para os homens, aos quais o Pai enviou, não abrindo o caminho para si, mas para o Reino de Deus, pelo qual lança a sua vida, fazendo do Reino a sua opção fundamental, a causa do seu viver e morrer.

            Enquanto gosta de se definir Filho do Homem, título que sobretudo na apocalíptica intertestamentária indica um ser preexistente, de condição divina e salvador nos últimos tempos, evita o título de Messias porque possui significado político ou apocalíptico ou legalístico, como também o de Filho de Deus.

            O Pai é princípio e fonte, por isso é o Amor eternamente “amante”, enquanto que o Filho é procedente e gerado pelo Pai, por isso é eternamente “amado” e como Filho, é a Palavra do Pai. O Filho nascido sem início antes dos séculos, da substância do Pai, não criado porque nunca existiu o Pai sem o Filho nem o Filho sem o Pai.

            O Filho se solidarizou com os pecadores até o exílio da maldição e da morte, consente a acolhida do puro dom do ser e do existir plenamente no amor, que é a vida nova na graça.

A Trindade como Pai, Filho e Espírito Santo não se fecha como Deus no eterno (Trindade imanente: Deus em relação consigo mesmo, sua essência eterna, infinita, onipotente, onisciente e trino), mas se volta ao ser humano entrando na história como revelação (Trindade econômica: Deus que age e se revela para o ser humano de maneira sensível a sua compreensão), dando ao homem a possibilidade de conhecimento do mistério divino e o levando a participar da vida da graça. Diante de uma sociedade e realidade de mundo que cobra por amor por não saber amar, só é possível experimentar e viver esse amor por conta de uma vivência trinitária seja para a Igreja, para todos aqueles que creem e para aqueles que possuem uma sede desse amor e se encontram afastados em seus dramas existenciais.

O homem encontra dois pontos de apoio para o sentido de sua vida que é a apófase e a escatologia, como meio de transcendência de Deus (acima da criação e não limitada por ela, não é limitado pelo espaço e pelo tempo como é o mundo natural). Em relação ao futuro escatológico (trata dos últimos eventos na história do mundo ou do destino final do gênero humano denominado como fim do mundo), e para isso Deus possui um projeto de vida para o homem, libertando-o de suas ilusões, de modo a rejeitar aquilo que passa, passando da morte para a vida no esforço pela busca da justiça e da paz do Reino. No entanto, para alcançarmos esse projeto de libertação que Deus tem para conosco e alcançarmos a esperança escatológica, é preciso uma relação que nos permita estar em comunhão com esse projeto do amor de Deus para cada ser humano, que é a vivencia da apófase (quando se ultrapassa os limites da inteligência, atribuindo à ignorância daquilo que Deus é em sua natureza inacessível, o valor de um conhecimento místico superior ao intelecto), tendo como objetivo a adoração e o silêncio em vista de estar em constante intimidade com Deus pela contemplação do amor vivido, saciado pela oração, tomado pela paz.

À luz da Páscoa com a paixão, morte e ressureição, a Igreja nascente se utilizará de alguns títulos para referir-se a Jesus, acompanhado de um sentido novo, confessando nos diversos modos: Jesus como “Adonai”, termo utilizado como “Senhor”; Jesus como a Palavra e mistério, o Verbo de Deus que é um termo da plenitude escatológica da revelação e comunicação divina; Jesus como preexistente e criador se faz carne como verbo de salvação; Jesus como Verbo da vida, se fez visível e experimentável por nós; Jesus como a imagem do Pai, epifania do Deus invisível; Jesus como poder e personificação veterotestámentaria da Sabedoria Divina.

            Convergem os diversos títulos para atestar dupla dimensão teológica e soteriológica presente no nome de Jesus que quer dizer “Deus salva”, em relação com o mistério de Deus e com a salvação dos pecadores.            No Pai reside a manancialidade do amor, no Filho está a receptividade do amor. O amante é princípio do amado, o amor-manancial é fonte do amor-acolhida, na insondável unidade do amor eterno. O Filho é acolhimento puro, eterna obediência de amor, no qual flui no tempo e na eternidade a vida divina, fonte da plenitude do Pai. O Filho é na sua pura receptividade do acolher aquele no qual o Pai se comunica e exprime, é a raiz imanente da revelação que o Pai faz de si aos homens através do Filho como autocomunicação econômica por necessidade como Palavra dessa automanifestação ao mundo.

O Pai não é o Filho, o Amante não é o Amado, ou seja, o amor eterno é distinção através de dois aspectos entre si, alteridade e comunhão, diferenciação e unidade, pois sem essa alteridade o amor divino seria solidão de infinito egoísmo. Nessa alteridade se radica o amor entre Deus e o homem, mas também a alteridade dolorosa em que o homem na sua liberdade recuse o amor de Deus, com o sofrimento de amor que essa recusa tem na vida trinitária. Quis o amor eterno na sua infinita generosidade, deixar-se ir até o extremo de aceitar a possibilidade, correndo o risco do não amor da criatura. No drama do pecado, a recusa do amor não deixa indiferente a quem ama, o Amante se deixa marcar profundamente pelo outro, na alteridade do Amado, o amor se torna vulnerável: dor e amor se pertencem reciprocamente no jogo da liberdade.

Amor significa uma unidade que não absorve o outro, mas aceita-o na sua alteridade, confirma-o assim como é, e o constitui na sua verdadeira liberdade. O amante tem em mira não a ele próprio, mas se deixa envolver pelo outro, torna-se vulnerável no seu próprio amor. E assim amor e sofrimento ficam estreitamente ligados, o sofrimento do amor não é só um envolvimento passivo, mas é um ativo deixar-se envolver e justamente porque é amor, Deus pode também sofrer e assim revelar a própria divindade.

            Diante desta reflexão referente ao autor, só resta afirmar e concordar com a importância deste tema e as suas colocações que apresentam uma riqueza de conhecimento como teologia da trindade. Ao contemplar o mundo no qual estamos inseridos, onde as relações se perdem nos interesses egoístas, daquilo que convém, onde o outro não tem o seu devido valor, as relações se desgastam de maneira superficial e descartável. Por isso se faz compreender que a teologia trinitária aplicada na vida, permite uma espiritualidade de amor, de comunhão, de unidade, de reciprocidade e de sensibilidade entre as pessoas, devido a ação de Deus que se revela na história para atingir o íntimo do coração do homem, saciando neste mesmo homem o vazio de significado e sentido de vida, conduzindo-o a amar e assim permanecer em estado de graça

Jesus Cristo pertence ao mundo de Deus e dos homens como lugar de encontro e acolhimento recíproco destes, a Ele se vem ligar o tema da graça, do favor divino na sua gratuidade de amor vinda do alto e tende a levar os homens para o alto, na celebração da glória divina. A glória divina está em aceitar o amor que não é menos personalizante que dar o amor, deixar-se amar é amor, não menos que amar, assim também o receber é divino, desse modo, o jogo do amor eterno será uma festa sem começo nem fim.

O sinal vulnerável do amor eterno, da dor divina pelo não-amor da criatura gratuitamente amada é a cruz do Filho de Deus: a paixão como entrega que o Filho faz de si e que o Pai faz dele, abandonando-o à morte por amor aos pecadores, é a revelação do mistério do sofrimento de Deus! Deus sofre pelo não da criatura e faz festa pela sua volta, acolhendo na infinita generosidade do amor criador e redentor, como condição intradivina pela alteridade que marca a expressão da radical fecundidade do amor eterno.

 


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