A CARTA A DIOGNETO

Victor Pereira Mascarenhas


A referida carta, que é um breve documentário da antiguidade cristã, destina-se a uma personagem, um pagão culto, chamado Diogneto, que teve o desejo por conhecer como e por que os cristãos cultuam a Deus. É crível que ele tenha tido essa aspiração devido ao cristianismo se espalhar e crescer com força – principalmente por aqueles que davam a vida pela fé – no Império Romano. Não há informações mais concretas e descritas de quem ele era realmente.

Sobre a autoria da epístola, a pessoa que escreveu a Diogneto, não se tem ao certo quem era. Porém, na própria carta o autor referindo-se a si mesmo, diz ser discípulo dos Apóstolos e mestre dos gentios. O título de “apóstolo” nos dois primeiros séculos, possuía um sentido bastante vasto, algo que compreendia aqueles que, de alguma forma mantiveram contato com os Apóstolos. Além disso, o uso da expressão poderia ser uma forma de remeter a doutrina dos Apóstolos. Para os críticos modernos, a Carta a Diogneto, pertence a segunda metade do século II. Alguns a atribuem o escrito a Panteno, que foi predecessor de Clemente de Alexandria, resultando em um ensinamento tipicamente alexandrino.

Na tentativa de atender o desejo de Diogneto e responder a suas perguntas, a Epístola tem como tema dois pontos centrais, que serão discorridos no corpo da carta, sendo eles: os argumentos em combate a idolatria e ao judaísmo e a apresentação da vida cristã. A intenção do autor é fazer com que o destinatário veja as aberrações dos pagãos em suas práticas idolátricas. O contraste entre os deuses – obra do homem – e o “Deus incorruptível, vivo e verdadeiro[1]” dos cristãos. No culto judaico, expor o equívoco e o formalismo exterior. E finalizar enaltecendo a vida dos cristãos.

Com uma construção textual em forma de diálogo exortativo, o autor responde às perguntas de Diogneto apresentando a Doutrina da comunidade cristã, frente ao paganismo e o judaísmo. E sua primeira exortação é apresentar Deus como sendo o Criador de todas as coisas, enfatizando a distinção de Deus e do mundo. E nessa distinção, ao olhar para os supostos deuses é possível de verificar não apenas só com os olhos, mas também com a razão, qual a substância ou forma deles.

Um deles não será uma pedra, semelhante às que calcamos aos pés? O segundo, bronze, nada melhor do que os recipientes fundidos para nosso uso? O terceiro não será madeira, além do mais, apodrecida? Outro, prata, e necessitado de um homem que o vigie para não ser furtado? Aquele outro, ferro, corroído de ferrugem? Outro, por fim, argila, em coisa alguma mais nobre do que os utensílios destinados aos serviços mais vis? Acaso não serão todos de matéria corruptível? Não foram forjados a ferro e fogo?[2]

O autor exorta Diogneto, perguntando se é isso que eles denominam deuses, se é a esses que eles servem e adoram; e diz se assemelharem. Por esse motivo que odeia os cristãos, por não os considerarem deuses e não se sujeitarem a escravidão de coisas que não podem fazer nada por ninguém, nem por si mesmos e que são provenientes das próprias mãos humanas.

Em relação aos judeus – que segundo o autor esses pensam ter Deus a necessidade desses sacrifícios – os cristãos não tributam a Deus o mesmo culto, apesar dos judeus não exercerem a idolatria e professarem a fé em um só Deus. Contudo, quando os judeus oferecem a Deus os sacrifícios, como se o Criador de todas as coisas carecesse de algo, incorrem de erro grave como os pagãos com os seus deuses. Eles estão presos ao formalismo exterior. São intransigentes na observância dos costumes que acabam transformando o culto religioso em superstições e meramente simulações.

A segunda parte da carta apresenta a vida dos cristãos. E começa afirmando que eles não se distinguem dos demais por causa de região, língua ou até mesmo costumes. Eles não habitam locais à parte e não levam gênero de vida extraordinária. Em tudo isso os cristãos em nada se distinguem. Todavia, habitam sua própria pátria como peregrinos, são estrangeiros nesse mundo como quem vive em demanda da verdadeira Pátria.

Os cristãos como todos os homens tomam mulheres por esposas, mas não rejeitam os filhos. Esses não vivem segundo a carne, mas segundo o espírito. Vivem na terra, mas a cidadania deles está nos céus. Seguem às leis estabelecidas, no entanto superam-nas por amor à vida. Decidem-se por amar a todos e por esses são perseguidos. Fazem o bem e são castigados como malfeitores. Os cristãos vivem segundo o desejo da alma e não do corpo.

Para simplificar, o que é a alma no corpo, são no mundo os cristãos. Encontra-se a alma em todos os membros do corpo e os cristãos dispersam-se por todas as cidades do mundo. A alma, é verdade, habita no corpo, mas dele não provém.[3]

Os cristãos estão no mundo, mas não são do mundo. Os cristãos, estão de certo modo aprisionados no mundo, mas são eles que sustentam o próprio cosmos. E sempre à espera da vida incorruptível nos céus. Para eles tudo provém de Deus por meio do seu Filho que veio ao mundo. E a Ele todas as coisas foram ordenadas, definidas e submetidas. Deus O enviou não como juiz, mas como quem ama as suas criaturas. Deus enviou seu Filho no tempo oportuno, a fim de que a humanidade se reconhecesse por indigna da vida. Por tão grande amor, caridade aos homens, não nos odiou, nem rejeitou e muito menos olhou para o mal que cometemos, mas entregou o próprio Filho, em resgate ao homem.

A Epístola termina com uma exortação para que Diogneto assuma a fé e expõe os benefícios que ele terá se passar a ser um imitador de Cristo. Sendo assim, o reino no céu como promessa a quem O ama e aquele que vive a caridade com o próximo se torna imitador de Deus.

Apesar do documento ser do século II, a carta a Diogneto – que é uma verdadeira apologia ao cristianismo – é de grande importância à Igreja Contemporânea. Esta epistola que mostra como se dava a evangelização aos pagãos, sugere algumas pistas para o anúncio da mensagem cristã na sociedade e que são importantes para o atual contexto em que a Igreja está inserida.

O autor da carta utiliza-se da racionalidade para combater as falsas doutrinas e erros na interpretação religiosa, e como resultado argumenta e apresenta a Verdade e a verdadeira religião. No contexto em que a Igreja Contemporânea está inserida, que possibilita acesso fácil a diversas informações e que existem inúmeras linhas de pensamento acerca da religiosidade do homem, o método de evangelização apresentado na carta ainda se faz necessário.

               Enfim, numa sociedade cada vez mais paganizada a apresentação que o autor faz sobre a “vida dos cristãos”, mostra que aquele que professa tal fé, se faz presente no mundo e habita o mesmo lugar que todos. Em cada lugar, cultura, espaço, língua, o cristianismo ganha uma feição particular e se contextualiza mantendo sempre sua proposta e princípio originário. As necessidades continuam as mesmas, provavelmente mais exigentes, por isso, a Carta a Diogneto continua atual como documento de evangelização para a Igreja. E como a epístola, a Igreja atual, busca uma evangelização a partir de uma perspectiva da realidade e contexto local.


[1] Cf. A Carta a Diogneto. Tradução do original Abadia de Santa Maria. Introdução e notas Dom Fernando A. Figueiredo.2ª ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2003. p. 8.

[2] Cf. A Carta a Diogneto. Tradução do original Abadia de Santa Maria. Introdução e notas Dom Fernando A. Figueiredo.2ª ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2003. p. 20.

[3] Cf. A Carta a Diogneto. Tradução do original Abadia de Santa Maria. Introdução e notas Dom Fernando A. Figueiredo.2ª ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2003. p. 24.


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