TEOLOGIA DA CRIAÇÃO - HUMANO E A CASA COMUM

Durante o período das aulas, foram expostos diversos textos que abordaram a relação do humano com o divino e com a casa. O Deus que criou todo o universo, ama toda sua criação, e espera que o ser humano cuide e ame, pois a ele foi dado para que a dominasse, porém, este termo não se refere a uma ação utilitarista e de destruição, mas diz respeito a dominar da mesma forma que o Deus do Antigo Testamento dominava sobre Israel, protegendo-os de todos os inimigos, conservando-os, conduzindo-os à vida com ele na Terra prometida, conforme prometera pelas alianças. O domínio que Deus para com o ser humano é uma ação de amor e cuidado, que depois recebe um caráter de amor ainda maior com a Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, pois com ele toda criação, sobretudo a humanidade, recebe uma “nova vida”, e com isso, recebe o homem uma responsabilidade maior para com a criação.

Para discorrer mais sobre essa temática, me detenho predominantemente sobre a obra de Pierre Teilhard de Chardin (19881-1955), pois sua visão mística auxilia muito nessa dinâmica fundamental da relação do homem para com Deus, e posteriormente do homem com o cosmos. E tal riqueza teológica já inicia pela a visão de mística que o mesmo desenvolve. Ora, desde o início da Igreja surgiram diversas compreensões e definições acerca do que seria a mística. Para alguns especialistas, corresponde ao ápice da experiência espiritual e vem ressurgindo de forma reconfigurada. Teilhard poderia até concordar, porém, durante um trabalho de paleontologia, percebeu, como que por uma revelação de Deus, a energia crística atravessando o movimento evolutivo do Universo, e isso adotou como sua visão de mística.

Ademais, Chardin sempre buscou realizar um diálogo entre a fé cristã e a ciência moderna, principalmente no que diz respeito aos estudos cosmológico da evolução. Ele foi formado na cristologia tradicional, porém, a partir de seu diálogo com a ciência, criou uma nova linguagem para expressar os dogmas no cenário evolutivo do mundo, saindo assim, da cristologia tradicional. Com isso, une-se sua intencionalidade de diálogo com as ciências, esses meios que ele cria para facilidade e a sua experiência mística durante os estudos paleontológicos, e então ele cria sua teoria do Cristogênese.

Por Cristogênese entende-se a “presença e ação do Cristo crescendo sempre mais no cosmo até a sua segunda vinda”[1]. E além dos fatores apresentados acima, existe ainda uma referência bíblica que interferiu profundamente nesta perspectiva, onde toda a criação é tida como subsistente ao Filho, o que para ele afirma a inquestionável presença de Deus no cosmos, seja no homem, ou seja nas outras criaturas. E é dessa perícope que se desenvolve no que depois será exemplificado, sobre o tem. O texto é:

“Ele é a imagem do Deus invisível, o Primogênito de toda criatura, porque nele foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis: Tronos, Soberanias, Principados , Autoridades, tudo foi criado por ele e para ele. É antes de tudo e tudo nele subsisti.” (Cl 1, 15-17)

A análise proposta pelo autor irá estende a cristologia desde a origem do cosmo até a sua transfiguração (Parusia), contra a ideia de uma cristologia que aborda o período do nascimento de Jesus até sua Ressurreição. Ora, como a cristologia atinge até a Parusia, ele considera que toda a criação ainda está se desenvolvendo; ainda está evoluindo; ela ainda busca a devida maturação para que se possa acontecer a segunda vinda de Cristo. E neste “vir a ser” que está envolvido a cristologia teilhardiana, o “estofo cósmico” que está em evolução é energizado, polarizado, amortizado e congregado por Cristo: ele é o cristogênese.

Pois bem, como a pessoa de Cristo está intimamente relacionado à redenção de todo pecado, sendo assim, se refere a uma ação que também atinge a outras criaturas além do ser humano, já que o pecado original gerou consequências também a toda natureza. Além disso, a extensão da cristologia é também uma extensão da teologia da história da redenção. A redenção atinge a origem do cosmo e vai até a sua transfiguração. Isso vai desenvolver, em seus ensaios, uma história do cosmos e do ser humanos: ambos são divinizados e transfigurados com a presença do Cristogênese.

Ao chegar neste ponto o ator começa a tratar a primeira relação mais primordial no processo de maturação de todo o cosmos para que possa acontecer a segunda vinda de Cristo, a saber, relação do homem com Deus: “o Cristo, por sua encarnação, nascimento, morte e ressurreição, reina de hoje em diante sobre o universo. Ele é seu cume, seu termo, sua finalidade viva. […]. O Cristo sempre maior deifica o ser humano e transfigura o mundo no qual vivemos, nos movemos e existimos.”[2] Esse “deificar” que o ator se refere não está ligado a se ternar um deus, mas sim à ação divina no homem que o faz viver mais plenamente sua própria natureza, ou seja, conforme o ser humano participa da Redenção, que se dá em Jesus Cristo, ele é livre do pecado que atrapalha a sua natureza e então vai sendo restituído à sua condição natural, como que num processo evolutivo, que terá seu termo na Parusia. Com a reconstrução de sua natureza o homem vai se tornando mais cheio de Deus, ou melhor, é a presença de Deus na vida do homem que move tal mudança.

Ora, todos os sacramentos da Igreja se direcionam para a Eucaristia, tal como ensina o CIC. Isso pois, receber o próprio Cristo, é a forma mais íntima de se afirmado nossa pertença no corpo místico de Cristo, que se deu com o Batismo, e, além disso, é receber o próprio Deus e nessa intimidade, ter as capacidades humanas transformadas. Por este motivo, Chardin explica que a evolução do cosmos vai se dando com sua relação com a Eucaristia, iniciando pelo homem. O que ele vai chamar de Eucaristização:

“Desde quando era estudante de teologia, já demonstrava interesse pelo estudo da eucaristia. E como sacerdote, deixava que a Eucaristia nutrisse seu pensamento religioso. […] E é na Eucaristia que ele encontra o meio pelo qual o homem e todo cosmo é deificado e transfigurado. […] O ser humano é transubstanciado no corpo místico de Cristo. […] O universo, campo das ações, dos esforços e dos fracassos humanos, tona-se eucaristizado pela extensão do sacramento do altar na vida dos fiéis e do mundo.”[3]

A salvação vem da entrega real da vida de Cristo, do amor elevado ao extremo. Ora, os sacramentos operam biologicamente no domínio da vida da união pessoal com Deus. E como foi dito, a Eucaristia é o único sacramento ao qual se refere todos os outros, dado que por ela passa diretamente o eixo da Encarnação. A criação evolutiva é perpassada pelo eixo da encarnação, que, por sua vez, inclui a redenção. E expor tais afirmações evidenciam a intenção concreta do autor de interpretar dignamente o lugar que a Eucaristia tem de fato na economia do mundo, na vida do cristão que pode contagiar a humanidade. Pela Eucaristia, Cristo vincula-se como um corpo-pessoa a todo fiel em qualquer tempo e espaço, e é a partir desta primeira relação com o homem que será possível a segunda relação: a Eucaristização do homem é necessária para a do cosmos.

A natureza humana do comungante continua crescendo graças à força que é introduzida nele. Através do comungante a Eucaristia atinge todo universo: Eucarstização do cosmos. Ademais, segundo Georges Crespy, Eucaristização é o movimento pelo qual a hóstia se assimila à humanidade e ao universo inteiro, concepção essa que origina o termo apresentado por Chardin. A Eucaristização, eleva e recapitula os esforços e os fracassos da história e da Criação. Por fim, essa dupla relação do Cristo dera a Eucaristização do mundo e este, por sua vez, se torna um “meio divino”.

A ação do Cristo cósmico, como sacramento do mundo em evolução, levanta e conduz um mundo que trabalha, que s esforça, que sofre. Surge uma nova imagem de Cristo: ele é uma constante surpresa e eterno progresso; conduzir os elementos do mundo à sua triunfante e pessoal unidade. Ele, como centro, tem o poder absoluto e extremo de reunir os seres em si mesmo. Nele, o Cristo-Universal, todos os elementos do universo se tocam pelo que eles têm de mais íntimo e de mais definitivo. É Preciso a fidelidade para que Deus possa comunicar-se. Sem ela, o meio divino só existe incompletamente ou mesmo não existe. No meio divino encontra-se Aquele que queima, acalma, consola.

Neste meio divino, Deus não se mostra como algo acabado: quando mais parece conhecer, mas ele se revela como outro. Por este motivo, é preciso aderir esse a um plano de fé. Vivendo no plano da fé nesse mundo Eucaristizado, os trabalhos, esforções, etc., ganham a dimensão de uma espiritualidade encarnada. Porém, como as ações humanas são transformadas neste processo, se faz necessário distinguir o que o autor chama de atividades e passividades. As atividades dizem respeito às ações humanas que têm o Amor Divino como motor. Na atividade, se concilia o amor a Deus e ao mundo, e nesse sentido, toda atividade colabora com o acabamento do mundo. Colabora-se com a construção do Pleroma. Quanto mais nobres os desejos, mais ávida se está a realizar objetivos mais amplos e sublimes. O fiel sensível aos atrativos divinos, une-se a ele pela ação. Após isso está preparado para abraçar situações que exigem entrega total.

Já as passividades correspondem àquilo que é padecido pelo ser humano, que não corresponde propriamente a sua natureza. Para melhor distinguir ele fala de passividades de crescimento e de diminuição. Aquelas, não se trata de algo distinto à natureza do homem, mas sim de forças interiores que o impulsionam a sair da condição que está do pecado. Essa passividade, além da dimensão interior, se manifesta por meio das realizações e êxitos. As passividades de diminuição são as verdadeiras passividades. Consiste no poder inimigo que interfere tanto no interior quanto no exterior. Mas as passividades podem ocasião de maior disponibilidade à ação divina. As diminuições podem ser transfiguradas. Com a fé a derrota pode ser transfigurada. Com isso, A Eucaristização do cosmo e do ser humano evidenciam a cristogênese como divinização e transfiguração: ele eleva o ser humano curando-os de suas feridas.

Até este ponto, já se fez possível conceber a dupla relação que permite a Eucaristização do cosmos. Mas o autor discorre mais sobre a relação do homem com Deus, onde ele é inserido mais intimamente ao Corpo Místico, e esta união, explica ele com as bases de São Cirilo de Alexandria, tem um caráter diferenciado devido o meio pelo qual acontece a união, ou seja, como Cristo é humano e divino, e em sua humanidade, existe um caráter físico, a união é, portento, não só espiritual: pela humanidade de Cristo, é realizada uma união física com Cristo.

Ora, o mistério do corpo místico está conectado com a encarnação; é um efeito e um prolongamento dela. Com os mistérios de Cristo a matéria entra num processo de cristificação. Mas essa união será mais íntima e perfeita na Parusia. O Batismo é a primeira conexão com o Corpo de Cristo e a Eucaristia é a renovação do estado permanente que nos liga a Jesus. Teilhard utiliza “eixo” para ligar a Igreja a processo evolutivo. Esse eixo é comparado a um phylum de amor, inserido por Deus no processo evolutivo. Toda a orientação da evolução se dirige para a formação do phylum humano. A Igreja age como um phylum de amor que cresce no phylum humano: Cristo é o centro físico; E a Igreja é como phylum orgânico.

Portanto, A Eucaristia é a expressão de como a energia divina se aplica, pouco a pouco, a cada átomo do universo. E como o cristão é quem tem a relação mais íntima com a Eucaristia, conforme foi exposto, ele que colabora diretamente com a criação, assumindo assim, um papel de co-criador e co-redentor. E neste quando este papel do ser humano é bem realizado, ele ativa o papel da Igreja de infundir a seiva da caridade na evolução. E é aqui que se percebe o termo para o qual a cosmovisão de Teilhard Chardin se direciona: a escatologia. Somente quando o ser humano alcançar seu ponto de maturação que, então acontecerá a segunda vinda gloriosa de Cristo. Desta forma, a partir do processo descrito acima, todo o cosmo vai evoluindo através da presença do Cristogênese nela, o que vai gerando uma ação modificadora por meio da Eucaristização.

Essa visão teológica de Chardin, alcança abrange boa parte do conteúdo apresentado durante as aulas, e ao tema central que o professor veio discorrendo em suas exposições. E para completar a presenta análise será agora exposto alguns fundamentos apresentados na Carta Encíclica Laudato’ Si, do Papa Francisco, para assim, solidificar os principais ensinamentos adquiridos nas aulas sobre a criação e a relação do homem com ela. Sobretudo, vale ressaltar a importante de identificar problemas anteriores às ações do ser humano de mal uso para com a natureza, que no fundo perpassa uma antropologia, sociologia e uma moral.

 Para iniciar ele apresenta uma importante fala de São Francisco, um santo que tanto lutou para o bem de toda a criação de divina: “Louvado sejas, meu Senhor, pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa e produz variados frutos com flores coloridas e verduras”[4] E com esta introdução demonstra já no início a relação do homem com a natureza. Primeiro mostra que o que está no coração do homem, se reflete em toda natureza: quando está cheio de violência, “vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos”[5]. Este primeiro dado anuncia a relação entre a condição do homem e modo como este se direciona para o exterior. Por outro lado, há uma relação que implica o homem a um dever para com a natureza:

“Esquecemo-nos de que nós mesmos somos terra (cf. Gn 2,7). O nosso corpo é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos.”

Se o próprio ser humano é constituído de elementos da natureza, ele possui o dever de cuidar e zelar não por “escolha generosa”, mas por justiça. E com essas duas ideias, o Papa faz uma análise das falas dos seus predecessores, a fim de mostrar que isso ele não é o primeiro a fazer tais considerações; que sua abordagem não é uma novidade exclusiva. Iniciando pelo Santo Papa João XXIII, trata antes do destinatário de seu documento. O pedido feito no documento Pacem in Terris para olharem pera a situação do mundo, clamando por paz, é dirigido não apenas aos cristãos, mas a todo homem de boa vontade. Porém em seu documento o Pp. Francisco se volta em diálogo com todos que habitam no planeta.

O Beato Papa Paulo VI trata da crise ecológica, colocando-a como efeito das “atividades descontroladas do ser humano”,[6] frisando sua abordagem de que o progresso científico não pode se separar do caráter social e moral. São João Paulo II, convida a uma conversão ecológica global, para deixar de lado a visão utilitarista da natureza e do próprio ser humano. Bento XVI trata da unidade que existe em toda natureza, sendo errada a ação que considera apenas o ser humano e não respeita o meio ambiente. E como “ a degradação da natureza está estritamente ligada à cultura que molda a conveniência humana”, é preciso desenvolver uma correta antropologia filosófica e teológica, afim de que se entenda o homem como espírito e vontade e natureza, em contraposição à visão que entende erroneamente a ideia de liberdade humana.

Olhando para a ação pecaminosa do mundo de destruição da natureza, e por outro lado ao exemplo de São Francisco de “cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria e autenticidade”,[7] o Papa faz um apelo a toda humanidade para que cuidem da Casa Comum; apelo a “renovar o diálogo sobre a maneira como estamos construindo o futuro do planeta.”[8]  E para isso ele não afasta da realidade e com muita coragem anuncia os principais problemas que vem descaracterizando a criação divina. Mostra, nas fontes bíblicas, o olhar de Deus para com a criação e a responsabilidade do homem para com ela, ainda que diretamente. Coloca em seguida o tão abordado tema da antropologia, que muitas vezes é ignorado, discorrendo, assim, a respeito da raiz humana da crise ecológica. Sua ideia é evidenciar que se o homem não buscar suas devidas mudanças, a natureza continuará sofrendo. O decorrer do documento fala da ecologia integral, propondo ações, educação e uma espiritualidade ecológica.

Com base nestas exposições, as aulas de Teologia da Criação deram um amplo olhar de como o ser humano, antes de tudo, tem grande responsabilidade para com a Casa Comum; que ser enviado por Deus para dominar a criação, deve ser entendido numa concepção terminológico muita mais relacionada ao amor do que ao domínio ditatorial que destrói e prejudica. E nada mais interessante que concluir tão reflexão voltando o olhar para a atual situação que se enfrenta com a Floresta Amazônica, tema este que vem sendo tratado no Sínodo para a Amazônia. As conclusões deste momento tão importante, com certeza virá apresentar urgentes ações para corrigir e parar uma destruição que não atinge só a natureza, mas todos os humanos. E, além disso, dar direcionamentos para se trabalhar os problemas antropológicos que vêm causando tal destruição. Parra aqueles que enxergam esta realidade, se percebe a nova visão até mesmo de santidade que o Papa apresenta: Ser santo é cuidar da Casa Comum.



[1] VASCONCELOS, Aparecido. Cristo e o Universo: A visão mística de Teilhard de Chardin. São Paulo: Paulinas, 2017.

[2] Idem.

[3] Idem.

[4] Carta Encíclica Laudato’ S: sobre o cuidado da Casa Comum. Papa Francisco. 1.

[5] LS. 2.

[6] LS. 4.

[7] LS. 10.

[8] LS. 13.


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