A ética de Cristo - resenha crítica

Nos tempos atuais a ética se apresenta como uma “moda”. São diversos temas que vêm tomando destaque nessa área como a questão do aborto, da ideologia de gênero, da geração in vitro etc. E segundo o autor, ela se “converteu no espaço privilegiado donde se decifra o novo espírito da época. O crescimento é tão marcante, que Castillo afirma ser a ética um assunto mais importante e urgente que a dogmática, que por muitos anos, esteve acima no nível de importância, algo que ele discorre em boa parte desta obra, em diversos aspectos.

Dois pontos ele ressalta que acabaram por acompanhar sua reflexão: que os problemas tratados anteriormente diziam respeito à dogmática, porém, agora frisam na ética; além disso, grandes teólogos foram sendo colocados de lado e que são fundamentas para uma boa ética. E destes pontos resulta sua principal preocupação, a saber, num primeiro momento a preocupação com os problemas éticos que são colocados em questão, porém ela cresce na medida em que reflete as respostas dadas às questões levantadas. As respostas dadas, segundo o autor, na maioria das vezes, não condizem com o que fez ou disse Cristo, parecendo mais com as posições dos escribas e fariseus.

Prescindindo-se dos ensinamentos de Cristo, se observa éticas fundadas em interesses próprios, principalmente na política e na economia. Mas também há uma manipulação pior, que é realizada pelos homens religiosos. É diante disto que vai surgindo uma ética pós dever, que enxerga em Cristo o exemplo e base das condutas. Portanto, o autor apresenta uma primeira definição sobre o que seria “a ética de Cristo”: “superar o dever, para chegar indizivelmente mais longe, à ética da felicidade, a felicidade e o bem estar para todos e não só para uns poucos privilegiados por um sistema criminal”. A ética de Cristo não se confunde com a ética da lei, pois essa produz obrigações, e por consequência, dever, e para o autor, isto gera uma sensação de vazio.

Para aprofundar no assunto e evidenciar com mais detalhes sua visão, ele foca que a ética apresentada por Cristo, é uma ética de mudança, que por sua vez, ocasiona diversos incômodos, na medida em que é aplicada. Ora, segundo ele, sociedade passa por constantes mudanças, e de todas, a principal e mais importante é a mudança que passa o homem. Na modernidade está surgindo um “novo tipo de homem” com novas crenças, interesses etc. Ademais, a ética de Cristo é aquela que, ao atingir os valores e condutas do homem, gera desconforto àqueles que seguem uma transformação de conduta que não condizem com a que ele diz e, pior ainda, são o contrário, pois eram baseadas em doutrinações religiosas. A mesma realidade de mudança que há nos tempos atuais, permeava o tempo de Jesus, e sua ética apresentada uma proposta diferente da dogmática e normas da sociedade.

A visão do autor de que a ética apresentada por Cristo trazia consigo um aspecto diferenciador, a saber, a relação pessoal no lugar da relação institucional, onde aquela garante uma relação mais pura e clara, já essa, apenas um “cumprir normas”, e de que isso questiona e vai contra a religião e estrutura familiar, manifesta uma concepção que parte de pontos menos dogmáticos para tentar atingir aquilo que está no centro do que pregava e ensina Jesus Cristo: o Amor. A capacidade de amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, depende uma relação pessoal com Deus e com o próximo. Sendo assim, tratar a relação com o outro como um cumprimento de normas, faz com que as condutas estejam restritas às normas e não gera uma relação significativa e positiva entre as pessoas que se relacionam. Em Jesus sempre encontravam carinho aqueles que buscavam, enquanto os fariseus e escribas, tinham raiva devido à ética que os deixavam desconcertantes.

Ora, a desconexão de se realizar atos religiosos que não são pautados na mais fundamental figura para a religião pode surgir da falta de compreensão de Cristo. Uma péssima visão cristológica leva a tomar fundamentos morais que de certa forma são fundadas nas palavras e atos de Cristo, porém palavra e atos entendidos sob uma visão equivocada de Cristo. Por este aspecto importante, Castillo apresenta alguns princípios cristológicos. Sem entender que é pela humanidade de Jesus que se alcança o divino e de que é inútil uma teologia que busque definir o ser de Deus, numa teologia que considere apenas a divindade. É olhando para Jesus, e seguindo seus exemplos que se pode chegar até Deus. O que é mais divino do que viver o humano a exemplo de Jesus? Se pode perguntar ao assimilar a visão cristológica do autor. E isso é imprescindível do olhar voltado para os que sofrem.

Na contraposição que parece haver entre a prática de Jesus e a prática religiosa, o autor se debruça para evidenciar que não só parece, como há tal convergência. Tirando exemplo das Bodas de Caná reflete já essa oposição de Jesus às religiões. Ele pega a água usada para uma prática religiosa a fim de devolver a alegria para a festa. O primeiro milagre dele mostra como iria se colocar contra as práticas religiosas para auxiliar nas necessidades presentes, promovendo o prazer e a alegria. Ademais, nos Evangelhos sinóticos aparece várias vezes atitudes de Jesus contrárias às leis, principalmente relacionado ao mandamento de guardar o sábado. Mas no Evangelho de Marcos ele encontra um eixo para melhor exemplificar tal situação. No capítulo segundo, Jesus é acusado de cometer blasfêmia. Para o religioso, o valor maior estava em cumprir as observâncias sagradas, já para Jesus, a “meta suprema”, o humano, é o amor.

Com a narração deste evangelista, com a cena da repreensão que sofre Jesus por conta dos discípulos não lavarem as mãos, destaca quatro coisas presentes: os discípulos não seguiam as normas religiosas; Jesus estava de acordo com isso; Jesus justificava tal comportamento; Ele estava convencido que o central é o humano. Ora, com tal colocação de que a valorização de Jesus é pelo humano e que os homens do dever entendem que o cumprimento da lei equivale à vida, se é questionado um ponto que desenvolve melhor a troca que os religiosos fizeram. O autor se incomoda justamente com a insistência de irem observar Jesus para condená-lo, e concluí dai que, com a visão corrompida que leva a considerar a vida em associação com o cumprimento da lei, e uma prática estrita dessa lei, conduz o observante a quebrar o comportamento ético voltado para a dignidade, liberdade, direitos e a vida das pessoas.

Diante disso, a atitude de Jesus em não esperar o dia seguinte para realizar o milagre, é precisamente para evidenciar que o mais determinante não é a religião, mas sim a necessidade do outro. Jesus mostra algo contrário às vivências puritanas, que com suas proibições querem restringir a alegria e o prazer que Jesus trás ao olhar para a vida do outro. Ao colocar o dever aa frente da necessidade as religiões assumem um caráter de “fraude”, o que segundo o autor corresponde a sujeitos centrípetos; são os que cumprem os  deveres em vista de sua própria condute, enquanto que a “não fraude” é o humano, o sujeito centrífugo, que antepõe a tudo, inclusive a si mesmo, a necessidade do outro.

A religião fraudulenta será, portanto, aquela que prescinde da importância da vida e se apega a outros objetivos, principalmente a interesses que brotam do sistema econômico do capitalismo neoliberal. As duas razões para esse primado por tais interesses são: o fundamentalismo religioso e a cumplicidade dos religiosos com o político. A realidade das políticas de direita que desenvolve o fundamentalismo se torna ainda mais complicada quando é abraçada pelas religiões gerando um sistema que ao priorizar tudo, exceto a vida, acaba por se tornar uma rede brutal de violência que, mesmo que não seja seu objetivo, acaba promotora da morte, do sofrimento, da dor, do desprezo, da falta de olhar para o outro. A ética de Cristo corresponde, portanto, à ética da necessidade e não do dever.

Ademais, o aturo faz o seguinte acréscimo: As convicções das pessoas não estão muitas vezes ligadas ao que a pessoa é e suas decisões. Uma pessoa acredita que ajudar os pobres é o melhor caminho, porém isso não quer dizer que tal pessoa irá realmente cuidar dos pobres. Agora a sensibilidade ocupa justamente o papel daquilo que está mais ligado ao que a pessoa é de verdade, já que as verdadeiras atitudes são tomadas de acordo com a atração que acaba por atrair a pessoa. Por isso Castillo afirma que o “homem é sensível ao que o atrai” e que a vontade não está em todas as ações humana, mas a atração sim. Com isso, ele afirma que a ética deve ser fundada na sensibilidade e não na especulação racional. “A sensibilidade, na abertura ao encontro com o outro, é a chave da ética”.

Por esta base de desenvolvimento, a especulação do autor preenche ainda mais as noções cristológicas já apresentadas, pois se a sensibilidade é fundamental numa ética, é preciso que isso esteja em acordo com o que disse e praticou Jesus. E realmente esse é ponto que Castillo expõe: há uma sensibilidade que Jesus apresenta. Aqui o autor destaca um erro frequente de muitos autores darem ao termo muitas vezes traduzidos por “teve compaixão”, relacionando-o a um plano divino, ou seja, eleva esse termo para uma exegese que não diz respeito ao que é de fato. O termo grego designa uma “comoção das próprias entranhas”, se está falando aqui de uma atitude puramente humana. Jesus sente uma dor nas próprias entranhas ao ver a situação de sofrimento do outro. A sensibilidade de Jesus era pelo sofrimento do outro e suas ações eram direcionadas por este sentimento visceral.

Ora, se sensibilidade é um ponto fundamental para a ética, um dos pontos que melhor marca uma ética errônea é justamente a indiferença com a situação do outro. Castillo parece dar tanta impotência em discorrer este ponto, que adere a três exemplos bíblicos para mostrar como era mais condenado por Jesus a indiferença pela violência do que a própria violência em si. No caso do pobre Lázaro, a quem é negado as migalhas de pão, pelo homem rico. Para ele, Jesus ao dizer que na vida Lázaro teve os males e o rico os bens, e que agora seria o inverso, ele está se referindo à indiferença do rico para com o pobre. A questão não é se ele deu ou não um pão no dia tal e na hora tal, mas sim que, em vista de suas comodidades e outras coisas, o rico preferiu ser indiferente com necessidade do outro.

Outro exemplo é a ação do samaritano que auxilia o homem no caminho de Jericó. As figuras religiosas que aparecem não erraram pela falta de assistência em si, mas pela indiferença que tiveram com o próximo. O que leva Castillo a afirmar que a sensibilidade humana supera a observância religiosa. A única sensibilidade que existe nestes religiosos é a do egoísmo, que se sensibiliza com os próprios interesses. Por fim, a passagem conhecida como do “juízo final” onde são acolhidos aqueles que “fizeram essas coisas a um dos meus pequeninos” fazendo assim, a Jesus. O ponto central no julgamento não foi quem melhor cumpriu a lei, quem seguiu os mandamentos, quem rezou mais, porém tem por critério o que fez e o que não fez aos pequenos. O bom será aquele que fez algo diante das necessidades do outro, já o mau será aquele que foi indiferente, o que não fez nada pelo outro.

Na conclusão desta ideia, o autor apresenta a nova visão ética que vem crescendo e que deve tomar mais força, que é justamente esse que se baseia na grande preocupação com as vítimas, com os que sofrem. E isso está além dos muros da religião. A ética da sensibilidade tem uma dimensão comum a todos, pois se trata não de uma teoria particular, mas uma realidade concreta. É uma ética mundial que a qual faz necessário o diálogo inter-religioso. Uma ética que busque centrar sua ação no intuito de promover e oferecer saúde e salvação a todos neste mundo, por isso o autor chama de “ética laica”. É um seguimento comum a todas as religiões, a todos os povos, a todas as pessoas. A prática do amor que é comum a todos é o que fundamenta essa ética. O amor, a sensibilidade com o outro, é o caminho que deve tomar a ética, e que já vem tomando nos tempos atuais, onde cada vez mais, as pessoas estão buscando meios de auxiliar aqueles que mais necessitam, e como muitas vezes não encontram este caminho dentro das religiões, estão buscando ONGs para poder agirem e “fazer feliz todos os povos”.

Estes pontos apresentados, permeiam toda a reflexão de Castillo e leva a refletir muito acerca da prática religioso. A afirmação de que está na Igreja, de dizer “Senhor Senhor”, não garante a salvação, parece ir ao encontro da visão dele. Uma espiritualidade bem desenvolvida deve ser fundada não numa busca do divino frisando nossas ações todas em um plano transcendental, deixando o vínculo com o divino direcionar para fora da realidade humana, mas sim na sensibilidade, no amor ao próximo e aos inimigos. A norma a ser seguida é uma só: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. É se voltar para o outro e sensibilizar-se desde as entranhas, conforme fez o próprio Jesus.

Mas nessa aplicação geral, surge a preocupação com a vivência dessa ética que busca superar o dever para chegar à felicidade. E a resposta do autor para essa situação é fundada nos princípios colocados acima que fundam a ideia de seu livro: É preciso que haja Místicos que estejam atuando piamente na sociedade. Esses místicos não condizem com aqueles que ele cita no decorrer do livro que colocam o dever como motor primeiro vida mística, porém dos místicos simples. Aqueles que vivem no dia a dia e nem mesmo sabem que são místicos. “Se trata dos místicos que são boas pessoas”. Ou seja, abraçar a proposta ética de Castillo exige pessoas que se desconectem de atitudes provindas de especulações sobre a condição divina, que se afastam do humano Nazareno, e acabam por esquecer de olhar com sensibilidade o próximo.

Por fim, relaciona-se tal conteúdo com alguns pontos colocados em sala de aula. Em uma das exposições foi colocado que a Moral fundamental é justamente a reflexão do agir de Jesus na vida dos cristãos. O impacto das ações de Jesus na vida dos discípulos. E em seguida definido a moral renovada como o conceito teológico que aborda um novo jeito de moral: ao invés de olhar para os manuais e seguir regras, se olha para Jesus Cristo como modelo e busca-se imitá-lo. Inferindo, portanto, do contexto do livro, parece que tias bases expostas, iram desembocar numa prática ética onde é imprescindível a sensibilidade no olhar para com o próximo. E ainda, tão conclusão prévia acerca da matéria, que foi iluminada pelas ideias do livro, auxiliar para unir os quatro pontos apresentados em aula, presente no decreto Optatam Totius, a saber: a moral é  fundada na Sagrada Escritura; centrada em Jesus; fundamentada na caridade; e tem por termo levar o homem a fazer caridade no mundo. A estes pontos nada se precisa discorrer, apenas se faz preciso ter sensibilidade, olhar para outro, e deixar a comoção visceral mover o coração para uma mística da caridade que auxilia e se preocupe com as necessidades do outro.


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