COMENTÁRIO AO SALMO 51
Victor Pereira Mascarenhas
SALMO 51 (50)
Miserereb
1
Do mestre de canto.
Salmo. De Davi. 2 Quando o profeta Natã foi encontrá-lo, após ele
ter estado com Betsabeia.
3 Tem
piedade de mim, ó Deus, por teu amor!
Apaga minhas
transgressões, por tua grande compaixão!
4 Lava-me
inteiro da minha iniquidade
E purificai-me
do meu pecado!
5 Pois
reconheço minhas transgressões
e diante de
mim está sempre meu pecado;
6 pequei
contra ti, contra ti somente,
pratiquei o
que é mau aos teus olhos.
Tens razão,
portanto, ao falar,
e tua vitória
se manifesta ao julgar.c
7 Eis
que eu nasci na iniquidade,
minha mãe
concebeu-me no pecado.d
8 Eis
que amas a verdade no fundo do ser,
e me ensinas a
sabedoria no segredo.e
9 Purifica
meu pecado com o hissopof e ficarei puro,
lava-me, e
ficarei mais branco do que a neve.
10 Faze-me
ouvir o júbilo e a alegria,
e dancem os
ossos que esmagaste.
11Esconde
a tua face dos meus pecados
e apaga minhas
iniquidades todas.
12 Ó
Deus, criaa em mim um coração puro,
renova um
espírito firme no meu peito;
13 não
me rejeites para longe de tua face,
não retires
de mim teu santo espírito.b
14 Devolve-me
o júbilo da tua salvação
e que um
espírito generoso me sustente.
15 Ensinarei
teus caminhos aos rebeldes,
para que os
pecadores voltem a ti.
16 Livra-me
do sangue,c ó Deus, meu Deus salvador,
e minha
língua aclamará tua justiça.
17 Ó
Senhor, abre os meus lábios,
e minha
língua anunciará o teu louvor.
18 Pois
tu não queres sacrifício
e um
holocausto não te agrada.
19 Sacrifício
a Deus é espírito contrito,
coração
contrito e esmagado, ó Deus, tu não desprezas.
20 Faze
o bem a Sião, por teu favor,
reconstrói as
muralhas de Jerusalém.d
21 Então
te agradarás dos sacrifícios de justiça
– holocaustos e ofertas totais –
e em teu altar se oferecerão novilhos.
O
Salmo 51 é o mais importante dos sete salmos penitenciais. Este salmo mostra a
verdadeira essência da penitência, pois, com inexorável seriedade, revela toda
a profundeza do pecado e indica ao penitente o caminho que leva ao perdão e a
verdadeira comunhão com aquele que perdoa: Deus. É o orante que consciente das
suas faltas, apresenta seus pensamentos e sentimentos ao Deus misericordioso.
A
intensidade da vida de oração do penitente de que brotou este salmo, criou a
característica da sua forma, tornando essa poesia uma referência como oração
penitencial. O versículo primeiro indica que o salmo teria sido escrito por
Davi, quando o profeta Natã o advertiu, depois de cometer adultério com
Betsabeia e matar o seu marido – Urias – na guerra, como relata o livro de
Segunda Samuel.
A
partir desta constatação, seguindo os próximos versículos do salmo, há uma
invocação de Deus pedindo perdão do pecado cometido (v. 3-5). O orante em meio
à miséria do seu pecado, ergue as mãos para o alto suplicando a misericórdia de
Deus sobre a sua vida. O pecado tomou de tal forma os seus pensamentos, que nem
sequer lembrou da inocência e boas obras do passado para assim diminuir o peso
da culpa atual.
Em
suas palavras percebe-se a gravidade da angústia espiritual do pecado que deprime
o homem. Todavia, isso só ocorre devido a sua relação com Deus. Ele leva a Deus
totalmente a sério. E, por isso o pecado pesa ao seu coração, porque sabe que é
uma ofensa direta a Deus. Para ele o pecado não é nada menos que a crise do
homem na sua culpa diante de Deus. Sendo assim, o perdão do pecado é sinônimo
de restauração da aliança rompida entre Deus e o homem.
O
salmista mostra que o primeiro passo para uma penitência autêntica é o sincero
reconhecimento dos pecados. A seriedade da consciência do pecado que o abandona
e o propósito integral de sinceridade para consigo mesmo e perante Deus.
Pensado assim é que o salmista exclama: “Pois reconheço minhas transgressões
e diante de mim está sempre meu pecado” (v. 5). É no conhecimento de si
mesmo que o homem encontra a força que o permite se afastar interiormente do
pecado e julgar-se a si mesmo.
Ao
se colocar diante de Deus para pedir perdão dos pecados, o orante realiza a sua
confissão (v. 6-8). Com o reconhecimento da profundidade do seu pecado, o
penitente possibilita experimentar a profundidade da graça de Deus. Entretanto,
isso só ocorre quando o pecado é visto em relação a algo supremo, ou seja, em
relação a Deus. E, diante deste Deus misericordioso, fiel e compassivo, que é o
único que pode salvá-lo, o fiel é obrigado a confessar: “pequei contra ti,
contra ti somente, pratiquei o que é mau aos teus olhos” (v. 6).
Em
última análise, todo pecado se dirige contra Deus, pois nele se reflete toda
atitude fundamental da vontade, e isso acaba destruindo o contato vivo com
Deus. O orante percebe o objetivo do reconhecimento do pecado não em si mesmo,
mas em Deus para que Ele seja conhecido e reconhecido como verdadeiro Deus.
Isso significa que a forte palpitação que o reconhecimento do pecado causa não
é para deprimi-lo e deixá-lo impotente, mas, vislumbrar o objetivo divino de
despertar e conscientizar sobre a grandeza de Deus e sua misericórdia.
A
seriedade da consciência do pecado faz experimentar a seriedade do julgamento
divino em todo o seu rigor, e no reconhecimento do pecado se lhe reabrem os
olhos para a realidade de Deus e permite sentir a mão da graça divina que não o
deixa sozinho no seu pecado. Se a visão da profundeza do pecado leva para o
reconhecimento da essência de Deus, por sua vez, do conhecimento profundo de
Deus permite o conhecimento definitivo da essência do homem.
Quando
o salmista diz: “eis que eu nasci na iniquidade, minha mãe concebeu-me no
pecado” ( v. 7), refere-se a tragédia do homem ter nascido no mundo do
pecado. O mundo em que a criança cresce já está cheio de pecado e tentação. E
quando passa a ter discernimento do bem e do mal, descobre em si a inclinação
natural da sua vontade contrária à vontade de Deus.
Aquele
que quiser trilhar os caminhos de Deus não pode recuar da verdade que descobre
no íntimo do seu coração e que expõe as mais secretas situações da vida. O
reconhecimento profundamente humilhante da natureza do seu pecado, indica para
o orante que neste primeiro passo penitencial se realiza nele a vontade de
Deus. E a oração para o salmista é o que possibilita o conhecimento da fé, não
por suas próprias forças e inteligência, mas por graça de Deus.
O
pedido de perdão (v. 9-11) que o salmista realiza é a partir de uma clareza
interior recebida de Deus que lhe dá ânimo para insistir no seu clamor por
misericórdia. O orante pede a sua purificação com a convicção de que ela se
realiza por inteira na sua vida. O pedido que ele faz a Deus para “ouvir o
júbilo e a alegria” (v. 10) certamente se refere à palavra de perdão e de
promessa de salvação que espera de Deus. Sendo assim, o orante pede para que
Deus não olhe o seu pecado, mas o apague: “esconde a tua face dos meus
pecados e apaga minhas iniquidades todas” (v. 11).
Com
o pedido de perdão o salmista suplica a sua renovação (v. 12-15),
transparecendo que por si só não é capaz de fazer o bem. Essa renovação
consiste em Deus criar nele uma nova natureza de acordo com seus desígnios, já
que o pecado constitui parte da “natureza” do homem. E se homem tiver que
vencer a si mesmo não é capaz com suas próprias forças, porém, somente pelo
espírito derramado por Deus.
O
desejo do orante é não ser rejeitado da face de Deus, e sim, permanecer sempre
na sua presença e em contínuo relacionamento para poder participar do seu
espírito, que é a força para a santificação. E quando a alma não é alimentada
pela força de Deus, o homem não é capaz de ultrapassar os limites do medo. A
alegria em Deus é como uma força motriz que o transforma e o leva a viver na fé
por amor a Deus.
Feito
este caminho, o fiel na autenticidade de sua experiência com Deus, é motivado
por uma necessidade interior, que consiste em ir ao encontro dos pecadores para
dar testemunho do que o Senhor realizou em sua vida: “ensinarei teus
caminhos aos rebeldes, para que os pecadores voltem a ti” (v. 115). O
orante vê a missão da sua vida concretizada na conversão dos pecadores a Deus.
Dominado
pela impressão da nova vida dada por Deus e por sua missão, o orante pensa na
conservação desta vida. É o desejo de continuar essa experiência de Deus após
ter vivido a amargura do pecado em seu coração. Entretanto, ele está
vislumbrado pela ação da graça de Deus em sua vida. Se sente em tudo dependente
de Deus, por isso pede o louvor a Deus na assembleia como um dom.
O
salmista na sua oração penitencial percebe que não são dons e materiais que
atraem a complacência de Deus, não são os sacrifícios e holocaustos que lhe
agradam, no entanto, um “coração contrito e esmagado”. Deus não quer
apenas dons e materiais, e sim, o homem todo. A Deus agrada um espírito
humilhado e coração pobre, o homem que não tenta sobre ele exercer um poder por
meios externos. No entanto, aquele que depende totalmente da sua graça,
entregue e abandonado. “Ele zomba dos zombadores insolentes, mas aos pobres
concede o seu favor” (Pr 3,34). O sacrifício que Deus pede é o sacrifício
da vontade e do valor próprio do Homem. É a entrega de si mesmo a Deus.
Por
fim, nos dois últimos versículos o salmista faz uma menção da ausência do culto
durante o exílio, quando não era possível a celebração. Entretanto, ele manifesta
a esperança e o pedido de que quando Deus reconstruir as muralhas de Jerusalém
– e do seu Templo – também haverá agradado nos sacrifícios da alma e do
coração. Os sacrifícios oferecidos por quem tem coração e espírito renovados se
torna referência da prevalência da justiça de Deus.
FONTES
A Bíblia: salmos. Tradução do hebraico, introdução e notas Mathias Grenzer. São Paulo, SP: Paulinas, 2017. Pág. 120 e 121.
BÍBLIA. Português.
A Bíblia de Jerusalém. São Paulo, SP: Paulus, 2002.
WEISER, Arthur. Os Salmos. São Paulo, SP: Paulus, 1994. Pág. 296-304.
JERÔNIMO. Novo
Comentário Bíblico São Jerônimo – Antigo Testamento. Tradução Celso
Eronides Fernandes. São Paulo, SP: Editora Academia Cristã e Paulus, 2007. Pág.
1052.
Comentários
Postar um comentário