Jesus, humanização de Deus - Resenha crítica
Nesta obra de José Maria Castillo é colocado em questão um
fundamento seguido por boa parte das cristologias até os tempos atuais, e
apresentado sua concepção cristológica, tendo por principal argumento, a
importância do humano que é Jesus, dado que houve, na encarnação, uma
humanização do divino e não uma divinização do humano. A ideia de grande parte
dos estudos teológicos e até mesmo dos fiéis, é que a influência do divino tem
mais peso que o humano, e também é associado com o “sagrado” e o “religioso”,
ao passo que o humano é identificado com o “laico” e com o “profano”. Tornando
atual o gnosticismo que reduz ao conhecimento de Deus a salvação. Para o autor,
isso corresponde não só a um problema cristológico, como também eclesiológico.
Ao elencar então, os cinco principais problemas da cristologia, já
se deixa vestígio dos postos que irá trabalhar em toda obra: fala-se do
conhecimento de Deus, mas que do de Jesus, sendo que o humano é quem revela o
divino; Jesus está associado ao profano e ao secular, no que diz respeito de
sua vivência religiosa, o que se mostra pelos conflitos com a religião da
época; a cristologia segue afirmações dogmáticas provindas de uma “cristologia
política” já que foram definidos em Concílios que sofrerem influência dos
interesses imperiais; a fala de Jesus como único salvador, tornando ele motivo
de divisão entre as outras religiões; e por fim, a supervalorização de uma
teologia da cruz, com a ideia soteriológica de ser preciso “derramar sangue”
para haver salvação. Essa visão Castillo diz que é preciso mudar. Eis a “tarefa
pendente” que é urgente para novos caminhos para a Teologia.
Ora, durante a obra o autor abordar teólogos que o auxiliam em sua
argumentação, porém, se pode resumir seu raciocínio principalmente no conteúdo
abordado em dois capítulos. No quinto capítulo, José Maria Castillo avança na
reflexão acerca da relação de Jesus (humano) e Deus (divino). Iniciando com uma
referência à filosofia da religião de Rudolf Otto, analisa a experiência vivida
por aqueles que testemunhavam os feitos prodigiosos que os Evangelhos atribuem
a Jesus. Segundo o autor, essa realidade vivida transcendia o humano, por isso
as questionavam com certo “assombro”. Reação essa que se liga à mesma que Otto
descreve viver o religioso diante do Mysterium
Tremendum. O povo tentava entender: pareciam estar com um homem comum e ao
mesmo tempo alguém que era mais que humano, já que as atividades de Jesus
geravam experiências de fé, as quais eram experiências com o numinoso, tal como diz Rudolf Otto. A Fé
estava estritamente ligada à história de Jesus. Por isso a demora para associar
o Deus “distante” do Antigo Testamento, com o nazareno.
A partir disto, o autor trata dessa relação de Jesus e Deus. Para
iniciar distingue o que significaria dizer que Jesus é a imagem de Deus. O que
para ele corresponde à acessibilidade a Deus aos seres criados que é possível
por meio de Jesus. Mas ele não é imagem no sentido daquilo que aprisiona,
delimita ou vincula o ser de Deus, tal como faziam com as imagens construídas
no A.T. Mas é imagem associada à palavra. O povo ouve uma palavra; “Israel se
aferrou-se à palavra de Yahvé”. Por outro lado, também se fala de Jesus
reproduzir a realidade de Deus, e isso quer dizer que Jesus resplandece a
imagem imediata do pai, sendo assim, se encontra Deus na medida que se vive com
Jesus.
Ademais, analisa Castillo, Jesus é a palavra de Deus, e tal
afirmação depende do entendimento de palavra como uma realidade que contém um
“poder”. Existe uma relação entre palavra e ação neste aspecto. O nazareno é a
palavra na qual se expressa e dá a conhecer esse Deus. Outra afirmação
importante, é a dele ser a encarnação de Deus. Ora, Deus se fez sarx, ou seja, humano. E esta realidade
assumida por Deus é a que é palpável aos seres humanos, com isso, somente no
humano pode-se coincidir com Deus. E ainda, o ponto seguinte fala sobre ser o
conhecimento de Deus. Aqueles a quem Jesus quiser revelar o Pai, somente estes
o conheceram, e mais, é justamente aos pequenos que o Pai revela sua sabedoria,
o que associa o conhecimento de Deus com a humanidade de Jesus, ponto que José
desenvolve mais à frente.
Essa ideia de estar mais disponível aos pequenos, embarca outra
questão, a saber, que Jesus, ao optar por estar com os fracos, marginalizados,
pequenos, excluídos, etc., se coloca numa posição contrária aos valores
culturais da época, assumindo a ideia de “loucura” e “fraqueza” de Deus. Essa
visão de Jesus que gerava tormento aos poderosos e opressores, depende de uma
realidade, que inclusive justifica o sentimento experiencial que surgia diante
do numinoso, que acima foi tratado.
Essa realidade é a de que Jesus é o aniquilamento de Deus, o que leva a
entender que Deus destruiu, aniquilou, esvaziou-se de sua condição, abrindo mão
de seu poder e autoridade e se faz humano. Como sua realidade divina está
aniquilado no humano, somente por esta se pode acessar aquela.
Aqui se pode afirmar uma identificação de Deus com o humano, o que
leva Castillo a afirmar que no juízo final irá contar o que foi feito para com
os seres humanos, pois o próprio Deus se identificou com o que é mais humano.
Por estar presente no que há de mais humano, buscar a experiência com o humano
garante que se “acolha Deus ao acolher a um dos pequeninos”. Disso então, unido
a todos os pontos, que no fundo formam um só raciocínio, ele coloca: Jesus, humanização
de Deus; ele é o meio e a chave para conhecer a Deus. E Para uma melhor
concatenação o autor precisa dez colocações: É preciso prescindir-se do ser
metafísica que tenta afirmar conhecimentos sobre Deus e acabam se afastado ou
até negando o humano, para frisar no acontecer bíblico; focando no acontecer a
cristologia faz o correto caminho de encontrar Deus no humano que é Jesus, ou
seja, Deus se encontra na história; como somente na atuação de Jesus se
encontra Deus, a encarnação é uma humanização do divino e não divinização do
humano; com o uso do verbo de ligação “é” une-se sujeito e predicado, ou seja,
coloca uma união entre Jesus e Deus, porém estes se referem a planos distintos,
o que impede este tipo de ligação; e ainda, como o conhecimento de Deus se dá
pela experiência de Jesus, o específico do cristianismo é identificar-se com
humano e não afirmar verdades transcendentes; sendo assim, é preciso se
rebaixar ao habito imanente, pois o transcendente é impossível conhecer; nesta
condição humanizada, Jesus supera limitações humanas contra todo tipo de
opressão, o que implica a necessidade de não haver espaço para inumanidades no
cristianismo; Jesus não tinha consciência clara de sua identidade com o Pai;
por fim, a história da religião sofre uma inovação, pois o divino se encontra
na experiência do humano, e nisso consiste a experiência “nova” religiosa.
Para finalizar o capítulo, o autor inicia uma aplicação deste
raciocínio na definição de natureza e pessoa divina, dizendo que não há
possibilidade de afirmar identidade entre a natureza de Deus e Jesus, dado sua
ideia que não há conhecimento de Deus além do que foi revelado pelo nazareno. E
segundo os relatos evangélicos, há claramente uma distinção entre o Pai e
Jesus. Com isso, ele vê a importância de analisar os quatro primeiros concílios
da Igreja que definiram as principais afirmações da cristologia. Segundo ele,
existe diversos pontos a serem considerados para que se perceba uma influência
imperial nas definições dogmáticas, além de outros aspectos. O aprofundamento
desta questão se encontra no capítulo seguinte, no qual ele desenvolve o
raciocínio a seguir.
Muitas pessoas acham, segundo Castillo, intolerável a ideia de
humanização do divino. Um primeiro ponto ser analisado é a posição de status
que, por um erro, foi desejada alguns momentos pelos Apóstolos, e depois por
muitos outros bispos. A união com o Império estava garantindo tal realidade aos
bispos. Por isso o autor destaca a relação dos desejos imperiais nos quatros
primeiros Concílios: Nicéia (345 d.C.), Constantinopla (381 d.C.), Éfeso (433)
e Calcedônia (451).
Ora, na cultura helenística existe presente aspectos do
gnosticismo, e unido com a questão da filosofia, se dá mais lugar ao juízo da
razão que ao mais humano. A aplicação disso reduz o ser de Deus a uma coisa; a
um objeto da razão humana. Ademais, todos os Concílios citados, foram
convocados, conduzidos e tiveram suas afirmações dogmáticas aprovados por
Imperadores. Logo, teologia dogmática estabelecidas recebem influência da cultura
helenísticas, entre outros pontos, devido aos interesses dos imperadores. E
isso deve ser condenado como uma intromissão clara dos interesses imperiais nas
formulações da fé cristã, o que é intitulado como cesaropapismo. Um ponto que reflete bem isso é o interesse de
Nicéia em condenar o arianismo e no fundo acaba, ao utilizar conceitos e ideias
da filosofia grega, introduzindo aspectos gnósticos nas definições dogmáticas,
como a consubstancialidade do Pai e de Jesus.
No Concílio de Constantinopla se afirma Jesus 100% homem e para
José isso se fez, mesmo sendo óbvio pois era preciso frisar a consideração que
se deve dar à humanidade para se conhecer a divindade, e por outro lado também
para marcar que Jesus não possui natureza humana, mas aparência humana. Com
isso a consequência é no fundo a mesma, por mais que queira salvaguardar o dado
humano de Jesus, acaba, na aplicação, vê Jesus como homem diferente dos outros.
Veja, como base no mistério da encarnação (humanização do divino), Castillo
considera a salvação como algo vindo “de baixo”, na ideia que é preciso viver o
exemplo humano de Jesus, que foi o que pertence ao mais baixo da natureza
humana, para alcançar o que pertence a Deus. Portanto, a apresentação do
“Imperador como Igreja da Europa”, o poder dado ao Imperador e as conclusões
dogmáticas, representam uma cristologia contaminada que deve, segundo a ideia
de Rahner, considerar as fórmulas de Calcedônia como fim e princípio, porém
como fonte de novas buscas.
Permeando outras reflexões, Castillo desenvolve a uma importante
conclusão que torna ainda mais forte estas ideias apresentadas até agora. Com o
desenvolver das erradas cristologias, apegadas a todas falhas expostas, levam a
distinguir “realidades” religiosos, restringindo a pessoa de Deus a religião,
querendo aprisionar Deus não mais no conhecimento sobre ele, onde é afirmado
que Deus “é” como se houvesse o conhecimento sobre a divindade. Nessas
distinções, o homem acaba excluindo, em nome de Deus, as outras religiões e pessoas.
E um passo que ocorre naturalmente, conforme se aplica uma cristologia conforme
desenvolveu o autor, é a necessidade de exclusão do “Deus excludente”. O que
toma um caráter ainda mais forte ao aplicar essa cristologia no âmbito do valor
e cuidado com a vida humana, pois devido todo significado da morte de Cristo na
cruz, se faz importante considerar como Deus valoriza a vida, sendo
imprescindível que o cristão promova esse valor, olhando para os que mais
precisam e são excluídos da sociedade. Ou seja, a cristologia deve movimentar o
cristão para humanizar a humanidade seguindo os exemplos de Cristo e não
querendo limitá-lo a um conhecimento dele que no fundo não temos. Devido a
humanização do divino, é preciso aplicar essa realidade para alcançar uma humanidade
mais humanizada.
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