Jesus: a humanização de Deus
Resenha da obra Jesus: a humanização de Deus: ensaio de cristologia / José M. Castillo
Autor: Adriano da Silva Oliveira, aluno do 2º ano do Curso de Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Autor: Adriano da Silva Oliveira, aluno do 2º ano do Curso de Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
CASTILLO,
José M. Jesus: a humanização de Deus: ensaio de cristologia / José M. Castillo;
tradução de João Batista Kreuch. – Petropolis, RJ: Vozes, 2015
O
teólogo José M. Castillo escreveu o seu ensaio de cristologia para propor uma
reflexão da pessoa de Jesus, o seu livro está dividido em treze capítulos que
vão desenvolver essa realidade da humanização de Deus. Uma característica única
no Cristianismo que o difere te todas as demais religiões do orbe, é a
Encarnação do Verbo, e a sua união Hipostática. Deus se faz homem, assume a
condição humana, sabe-se que entre o humano
e o divino há um abismo sem fim, mas a Igreja deve dar as repostas para
essa relação que ocorre em Jesus, Ele sendo Deus e homem ao mesmo tempo. O
autor vai explicar a complexidade desse problema. O que veremos que é muito
mais que um problema simplesmente
teológico e filosófico.
A questão chave que deve se ter em
mente é “ quando falamos da união de Deus com o ser humano, trata-se
primordialmente e, antes de tudo, da humanização do divino, ou antes, estamos
falando da divinização do humano?”(CASTILLO,2017,P.10). Diante disso
qual é a missão da Igreja, humanizar-nos ou divinizar-nos? Dizer que é ambas as
coisas não responde a questão.
Há o risco de nos ambientes
religiosos considerarem mais a divindade do que a humanidade de Jesus,
transformando se assim tudo que se
relaciona com o sagrado como algo divino e bom, e o que se relaciona com o humano como algo
profano. O auto vai dizer que disso surge um “monofisismos larvado”. A igreja
possuiu um problema, que não pode ser simplesmente resolvido com a afirmação do
concilio de calcedônia. O problema cristológico é também eclesiológico, deve
haver uma mudança no jeito que entende-se ser Igreja.
Algumas questões são urgentes para
poder dar-se passos na solução desse problema, a primeira é referente ao
conhecimento de Deus. Deus sendo Ele superior as capacidades humanas de
conhecimento, só é possível conhece-lo através daquele que O revela, Jesus
Cristo. A relação entre Jesus e a religião de sua época também é um ponto
importante para compreender a cristologia, principalmente para analisarmos os
problemas eclesiológicos, que são formulados a partir da cristologia
Outros problemas que temos em
relação a Cristologia é primeiramente termos em mente que os dogmas que referem
a Jesus, foram definidos logo nos primeiros concílios da Igreja, muitas vezes
não se atem que esses concílios ecumênicos não foram convocados pelos Papas,
como está presente em nossa mente hoje a relação imediata entre o Papa e os
concílios, os quatros primeiros foram convocados, presididos e promulgados por
imperadores. Não podemos analisar esse dogmas ignorando a carga politica que
existem neles.
Uma má compreensão de quem é Jesus,
leva a reflexões teológicas errôneas, que não ficam somente na esfera da teoria
mas são levadas a pratica, e ao longo da história causaram consequências
desastrosas; como a marginalização de povos, a segregação racial, xenofobia,
etc... E também causaram guerras e violências utilizando-se indevidamente do
nome de Jesus. Esses problemas apresentados são a motivação para José M. Castillo propor este ensaio, tentando
dar caminhos para a crise religiosa que estamos passando.
O
gnosticismo continua sendo um problema atual, muitos creem que a salvação está
atrelado ao conhecimento de Jesus. Os dogmas cristológicos foram compilados tão
preocupados na transmissão desse conhecimento, que até hoje temos a vigilância
constante do da Congregação para a Doutrina da Fé (Antigo Santo Oficio) sobre
aquilo que é ensinado sobre Jesus. A partir do séc XVIII começa a fascinação de
querer saber sobre a existência de Jesus, se as palavras contidas no Evangelho
são de fato verdadeiras ou não, que hoje se preocupa mais no conhecer do que viver
como Jesus, no de transformar suas palavras em gestos concretos e atitudes. O
papa Francisco desde da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium vai
denunciando o perigo do gnosticismo que tem tomado conta dos cristãos, e
reforça na exortação apostólica Gaudete et Exsultate. Vai dizer
Francisco:
Este mundanismo pode alimentar-se sobretudo de
duas maneiras profundamente relacionadas. Uma delas é o fascínio do
gnosticismo, uma fé fechada no subjectivismo, onde apenas interessa uma
determinada experiência ou uma série de raciocínios e conhecimentos que
supostamente confortam e iluminam, mas, em última instância, a pessoa fica
enclausurada na imanência da sua própria razão ou dos seus sentimentos. A outra
maneira é o neopelagianismo auto-referencial e prometeuco de quem, no fundo, só
confia nas suas próprias forças e se sente superior aos outros por cumprir
determinadas normas ou por ser irredutivelmente fiel a um certo estilo católico
próprio do passado. É uma suposta segurança doutrinal ou disciplinar que dá
lugar a um elitismo narcisista e autoritário, onde, em vez de evangelizar, se
analisam e classificam os demais e, em vez de facilitar o acesso à graça,
consomem-se as energias a controlar. Em ambos os casos, nem Jesus Cristo nem os
outros interessam verdadeiramente. São manifestações dum imanentismo
antropocêntrico. Não é possível imaginar que, destas formas desvirtuadas do
cristianismo, possa brotar um autêntico dinamismo evangelizador.[1]
Tudo aquilo que chegou até os dias de
hoje referente a Jesus, principalmente através dos quatros evangelhos, devemos
ter em consideração que seus escritos foram feitos após a manifestação da
divindade na sua ressurreição e como isso foi desenvolvido pelas comunidades,
sabemos mais sobre o Cristo da fé do que
o Jesus histórico.
Um ponto central na obra de José M.
Catisllo, é que quando se fala de Jesus, o mais importante é como que isso é
manifestado na vida e na história, Jesus Cristo não é simplesmente conceitos
teológicos dogmáticos, fundados na metafisica. Jesus deve ser traduzido e
manifestado na história através da convicção em sua pessoa, fazendo que seus
gestos sejam sempre atuais e presentes.
É necessário a atualização da
cristologia, o autor fala que não podemos fazer uma cristologia como se fazia a
cinquenta anos atrás, ouso em dizer que após a atual pandemia que o mundo se
encontra (COVID-19) não poderemos fazer uma cristologia como era levada até
2019. O exercício de atualizar-se em relação a cristologia faz-se necessário
para podermos dar as resposta corretas em relação a pessoa de Jesus e como
seria a sua atuação perante a atual realidade, principalmente em um mundo que
hoje possuí tantos questionamentos devido a atual crise.
O
Papa demonstra esse desejo de atualização devido a crise da COVID-19, onde os
seguidores de Jesus darão as respostas para a sociedade nesse pós pandemia como
pode se ver:
Também gostaria de convidá-los a pensar no
“depois”, porque esta tempestade vai acabar e suas sérias consequências já
estão sendo sentidas. Vocês não são uns improvisados, têm a cultura, a
metodologia, mas principalmente a sabedoria que é amassada com o fermento de
sentir a dor do outro como sua. Quero que pensemos no projeto de
desenvolvimento humano integral que ansiamos, focado no protagonismo dos Povos
em toda a sua diversidade e no acesso universal aos três T que vocês defendem:
terra e comida, teto e trabalho. Espero que esse momento de perigo nos tire do
piloto automático, sacuda nossas consciências adormecidas e permita uma
conversão humanística e ecológica que termine com a idolatria do dinheiro e
coloque a dignidade e a vida no centro. Nossa civilização, tão competitiva e
individualista, com suas taxas frenéticas de produção e consumo, seus luxos
excessivos e lucros desmedidos para poucos, precisa mudar, se repensar, se
regenerar. Vocês são construtores indispensáveis dessa mudança urgente; além
disso, vocês possuem uma voz autorizada para testemunhar que isso é possível.
Vocês conhecem crises e privações ... que com modéstia, dignidade, comprometimento,
esforço e solidariedade, conseguem transformar em uma promessa de vida para
suas famílias e comunidades.[2]
Hoje estão presente em
todos os ambientes as mais diversas indagações, principalmente em relação a
Deus, o Sagrado e o Transcendente. Deus não é mais um conceito absoluto, como
era pela filosofia, metafisica e religião que construiu um deus na mente dos
crente e não crentes, criaram um objeto com o qual se relaciona, crendo que
seja Deus. Esse deus criado é totalmente diferente daquele Revelado por Jesus, mas
a missão da cristologia não pode ser a de definir quem é Deus através de Jesus.
A sua missão é compreender profundamente a pessoa de Jesus e possibilitar que seus
ensinamentos e gestos sejam revelados conforme foram realizados na história.
Com
as constantes mudanças que o mundo passou, a globalização é a que mais vem
gerando impacto, dentro deste cenário globalizado, como diz o Santo Padre para
que sejam construídos pontes e não muros, não pode ser feita mais uma
cristologia excludente. Muitas vezes foi utilizada da pessoa de Jesus para
criar divisões e separações e excluir pessoas. Uma cristologia assim não
podemos dizer que é fiel a Jesus. Há muitos textos sagrados e do Magistério que
falam que falam da salvação somente na pessoa de Jesus, devemos ter em mente
que não correspondem ao Jesus Histórico, mas sim ao ressuscitado. Não há uma
seleção para a salvação, ela é para todos, esse é o desejo que Jesus pregava.
Desde
de os primórdios da história da humanidade tem se visto e sofrido guerras em
nome de Deus. Utilizam-se de Deus para maquiar seus planos de poder e subjugar
os povos, grande parte dessas atrocidades se foram realizadas atrás de maior
poder econômico. Deus não motivo somente de guerra é também de causa de
violência contra muitas pessoas, como pode se ver diversas doutrinas religiosas
que condenam meios eficazes para a cura e a disseminação de doenças. Faz-se
necessário que desliguemos de Deus o Sofrimento, incutiram essa ideia que para
se aproximar de Deus é necessário sofrer, Deus não é o deus do sofrimento, mas
da vida em abundancia. Não pode separar cristologia de Soteriologia, mas
devemos vencer esses aspectos negativos de Deus para anunciar a salvação para
todos.
Jesus
apresenta o Pai, ele rompe com toda a estrutura religiosa presente na época,
dos pagãos aos Judeus, Deus agora é Pai, e isso será considerado como algo
blasfêmia e levara a sua morte. Jesus questiona todas as estruturas, a Lei, a
Religião, a Sociedade, com o seu modo, faz-se necessário hoje esse
questionamento a partir de Jesus, se somos aquilo que ele desejava para o
Reino. E isso só é possível se houver uma experiencia de Deus revelado por
Jesus, e não construído por conceitos.
Desde
de a encarnação do Verbo, vemos um abaixamento de Deus, e por isso uma
incredulidade dos poderosos, Jesus sempre coloca-se junto os pequenos, desfavorecidos
e marginalizados da sociedade. Esses gestos de Jesus foram, e não poucas vezes,
esquecidos pelos cristãos e pela Igreja
que colocou-se ou coloca-se aos lados
dos poderosos.
Vemos no movimento pós
conciliar e de modo especial em nossa realidade Latino-americana o
desenvolvimento da Teologia da Libertação, que vem se colocar agora ao lado dos
pequenos e pobres, proclamando não somente a salvação da alma, mas uma salvação
que é integral. Ela reconstrói esse encontro de Jesus com os pequenos e pobres,
aqueles que assim como Ele era oprimidos pelos poderes de seu tempo. Quanto
mais o ser humano vai assumindo esse processo libertador em sua vida, analisando
toda a sociedade pela perspectiva do Reino de Jesus, ele vai se tornando humano
e encontro a Deus que nele habita.
Há
necessidade da promoção da vida digna para todos, aquele que se diz que segue a
Jesus Cristo, não pode ser indiferente a realidade cruel que se vive no mundo
capitalista, Francisco chama a atenção para essa realidade “Todavia não podemos esquecer que a maior
parte dos homens e mulheres do nosso tempo vive o seu dia a dia precariamente,
com funestas consequências”[3]. Jesus
anunciou o Reino para que as realidades fossem mudadas, a afirmação de Jesus “Eu
vim para que tenham vida, e tenham em abundancia” (cf Jo 10,10b) versículo
este tão conhecido e cantado pelas comunidades deste país tão desigual. Será
que estes que cantam esse versículo tem consciência que eles também devem
promover a vida em abundância.
Diante de tudo que José M. Castillo
apresenta em sua obra unido ao magistério da Igreja, principalmente na pessoa
do Papa Francisco, há um profundo questionamento sobre Jesus Cristo, o
Nazareno, e como de fato vive seus seguidores. Que as palavras do Concilio,
sejam cada vez mais realidade em todos os seguidores de Jesus, de modo especial
“As alegrias e as esperanças, as tristezas e as
angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que
sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos
discípulos de Cristo”[4]
[1] FRANCISCO.
Evangelii Gaudium. São Paulo. Paulus; Loyola. 2013
[2]
FRANCISCO. Carta aos movimentos populares. Vaticano. 2020. Disponível em <http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2020/documents/papa-francesco_20200412_lettera-movimentipopolari.html>
[3] FRANCISCO.
Evangelii Gaudium. São Paulo. Paulus; Loyola. 2013
[4] CONCILIO
VATICANO II. Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no
mundo atual. Disponível em <http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651207_gaudium-et-spes_po.html>
Comentários
Postar um comentário