MARIA É A MÃE DA IGREJA

A mãe da cabeça da Igreja

            Desde os primórdios da Igreja, Maria era venerada pelos cristãos como a grande mãe de Deus. Eles recorriam a ela com esse título, como vemos nesta oração datada do século II: “À vossa proteção recorremos, santa Mãe de Deus; não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó Virgem gloriosa e bendita.”[1]

Entretanto houve por volta do ano 430, um clérigo chamado Nestório, que afirmava que Maria não poderia ser mãe de Deus, pois a mãe gera o seu filho, e Deus não pode ser gerado por uma criatura. Ele ensinava que Maria era mãe do Cristo-homem somente, uma vez que ele enxergava uma separação entre a humanidade e a divindade de Jesus. De certa forma os princípios apresentados por Nestório é adequado, dado que Jesus embora tenha sido gerado por Maria, é eterno, com o Pai e o Espírito existe desde sempre. No entanto há uma falha, que foi corrigida no concílio de Éfeso no ano 431 através da distinção entre os conceitos de Deus e Divindade.

            A Divindade é composta por três pessoas: Pai, Filho e Espírito, de modo que cada pessoa é Deus, porém em conjunto com as outras pessoas. O Pai é Deus, mas não sozinho assim como o Filho e o Espírito. Não é correto reduzir a Divindade em uma das três pessoas. O que é eterno em Jesus é a sua Divindade, ao contrário de sua humanidade que passa a existir no momento de sua encarnação no seio da virgem Maria. No entanto, para assumir a natureza humana, Jesus não deixa a sua natureza divina, sendo assim, aquele homem nascido de Maria é Deus.

            Entendendo a distinção entre Deus e Divindade o concílio chegou à conclusão de que Maria realmente não pode ser mãe da Divindade (Pai, Filho e Espirito), no entanto ela é sim mãe de Deus, uma vez que aquele que nasceu dela é Deus; considerando assim o pensamento de Nestório herético. Foi instituído a partir daquele concílio o dogma da maternidade divina, que proclama Maria Theotokos palavra grega que significa Mãe de Deus.

A mãe que gera o Corpo

Nosso Senhor Jesus Cristo “É a cabeça da Igreja, que é seu corpo.” (Cl 1,15-18). Ele se uniu de forma tão intensa com sua Igreja que a unificou a Si, compartilhando com ela os seus mistérios, de modo que Cristo e a Igreja são uma coisa só:

... Alegremo-nos, portanto, e demos graças por nos termos tornado não somente cristãos, mas o próprio Cristo. Compreendeis, irmãos, a graça que Deus nos concedeu ao dar-nos Cristo como cabeça? Admirai e rejubilai, nós nos tornamos Cristo. ...[2]

A partir do momento que através dos sacramentos os crentes são admitidos à santa Igreja, são incorporados nela como membros de Cristo, participando assim, de todos os seus mistérios, trilhando o mesmo caminho que Jesus. Sendo parte de Cristo, buscam se configurar a Ele (sua cabeça) em tudo. Portanto, nascem do mesmo seio, o da virgem Maria, pois não há como nascer de outro seio, que não esse, sempre virgem e imaculado. Como através da ação do Espírito, Jesus se encarnou em Maria, sendo gerado por ela, também a Igreja através desse Espírito vivificador nasce de Maria. Não há como ser diferente, uma vez que, “... Não há mãe que dê à luz a cabeça sem os membros ou membros sem a cabeça: seria uma monstruosidade da natureza. Do mesmo modo, na ordem da graça, a cabeça e os membros nascem da mesma mãe...” [3]

            A maternidade que Maria exerce sobre os membros do corpo de Cristo não é carnal, tendo em vista que ela “deu à luz seu filho primogênito” (Lc 2,7) pela ação do Espírito, sendo virgem antes, durante e depois do parto. Maria é “mãe na ordem da graça”, [4] ou seja, ela é mãe espiritual, uma vez que pelo seu fiat (faça-se) na anunciação, aceitou participar do plano de Deus para regeneração das almas: “Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu filho, nascido de mulher, nascido sob a Lei, para resgatar os que estavam sob a Lei, afim de que recebêssemos a adoção de filial.” (Gl 4,4-5)

Aos pés da cruz Maria conservou o seu sim quando recebeu de Jesus o discípulo como filho. E Jesus não deu Maria como mãe somente a João, visto que Ele não diz seu nome, e sim discípulo, indicando com isso a maternidade de Maria sobre todo discípulo, ou seja, cada membro da Igreja. Maria recebeu de Jesus na cruz uma missão que durará até que o último de seus filhos alcance a gloria celeste, até esse momento chegar ela intercede, cuida, protege e auxilia os seus com amor de mãe.

A proclamação solene

            Por mais que Maria já fosse aclamada pelos cristãos há muito tempo com o título de mãe, esse título foi dado a ela solenemente só em 1964, durante o concílio vaticano II. Foi no final da terceira sessão do concílio que Paulo VI, em um discurso solene, declarou calorosamente:

... Portanto, para glória da Virgem e para nosso conforto, proclamamos Maria Santíssima «Mãe da Igreja», isto é, de todo o Povo de Deus, tanto dos fiéis como dos pastores, que lhe chamam Mãe amorosíssima; e queremos que com este título suavíssimo seja a Virgem doravante honrada e invocada por todo o povo cristão ...[5]

Ele acabara de promulgar a constituição dogmática Lumen Gentium, sobre a igreja, na qual o capitulo VIII é inteiro dedicado a santíssima virgem. Esse capítulo trás como que uma síntese da relação da bem-aventurada virgem com Cristo e a Igreja e foi inserido em um documento sobre a Igreja para realçar o papel de Maria como membro da mesma, como esteve em pentecostes no nascimento da primeira comunidade, olhando assim para Maria a partir da Igreja. No entanto, vemos também ao longo do documento, um olhar de Maria como modelo de Igreja; esse olhar destaca a virgindade e a maternidade da mãe de Deus, algo que a Igreja compartilha, uma vez que ela guarda a fé virginalmente e gera os filhos de Deus através do Espírito. A mãe de Deus é modelo também em virtudes e principalmente por sua união com Cristo. Mas algo que a Lumen Gentium quis deixar bem claro é a posição de Maria como mãe da Igreja, dado que “ela cooperou de modo absolutamente singular, pela obediência, pela fé, pela esperança e caridade ardente, na obra do Salvador para restaurar a vida sobrenatural das almas.” [6]E o documento é repleto de argumentos que indicam essa maternidade.

A maternidade de Maria não se esgota em um título, esse é uma denominação que representa a ação dela para com a Igreja. A santíssima virgem age como mãe, é o que a Lumen Gentium chama de função subordinada, uma função que depende de Jesus que é o único mediador entre os homens e Deus Pai. A função de Maria não exclui a de Jesus, mas sim participa Nele como sempre participou: desde a anunciação, passando pela cruz com fé inabalável, o derramamento do Espírito, sua assunção gloriosa e continua até o fim dos tempos.

Em seu discurso solene Paulo VI, expressou a sua vontade em comunhão com os bispos conciliares de que a grande mãe de Deus seja aclamada por todo o povo cristão com amor filial e que eles recorram a ela com confiança e ardor. Verdadeiramente essa deve ser a postura de toda a Igreja para com sua santíssima mãe, enquanto ela derrama, de lá do céu sobre eles todo seu amor maternal.



[1] Liturgia das horas

[2] CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Edição Típica Vaticana. São Paulo: Edições Loyola, 1999. p. 228, parágrafo 795.

[3] MONTFORT, Luís Maria Grignion de, São. Tratado da verdadeira devoção à santíssima Virgem. 45ª ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2014. p. 39, n. 32.

[4] Cf. Documentos do concílio vaticano II. Constituição Dogmática Lumen Gentium. 1ª ed. São Paulo: Paulus, 1997. cap. 8, p. 186, n. 61.

[5] Paulo VI. Discurso na clausura da terceira sessão do Concílio Ecumênico Vaticano II. Disponível em: < http://w2.vatican.va/content/paul-vi/pt/speeches/1964/documents/hf_p-vi_spe_19641121_conclusions-iii-sessions.html>. Acesso em 2 de Jul. 2015.

[6] Documentos do concílio vaticano II. Constituição Dogmática Lumen Gentium. 1ª ed. São Paulo: Paulus, 1997. cap. 8, p. 186, n. 61.


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