IGREJA E REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA


Hiago Willian dos Santos Bento
Introdução
E Deus os abençoou e disse-lhes: “Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a!” (Gn 1,28)
A procriação é elemento natural da vida humana e mandamento de Deus. O desejo de perpetuar a própria espécie está inscrito no coração do homem. Todavia, dada a fragilidade do ser humano sobre a terra, existem problemas que impossibilitam a realização de tão exímia aspiração. A infertilidade ou a esterilidade são obstáculos muito antigos que afligem a humanidade.
Avanços na área de biotecnologia criaram métodos eficazes para tornar possível que pessoas diagnosticadas inférteis, fossem capazes de gerar filhos biológicos. As “técnicas de reprodução humana assistida” se tornaram, deste modo, aliadas dos casais inférteis para a realização do sonho de ter filhos. Tais técnicas consistem no tratamento contra a infertilidade, tanto masculina como feminina e servem para ajudar ou substituir o processo natural de procriação. Elas podem ser classificadas em dois tipos: inseminação artificial e a fertilização artificial.

2.      Inseminação intrauterina artificial

A inseminação intrauterina artificial é uma das técnicas mais comuns, dada sua baixa complexidade. Ela é feita “in vivo”, quer dizer, se faz a coleta e capacitação dos espermatozoides, se realiza a estimulação hormonal da mulher para ovular e, por fim, se insere os espermatozoides no útero. É um procedimento que não dói e é de baixo custo. As chances de a mulher engravidar, porém, são de 15 a 18%. O gameta feminino utilizado é o da própria mulher, mas o masculino pode ser do esposo ou de um outro doador; se é do esposo, a inseminação é chamada homóloga e se é de um terceiro, a inseminação designa-se heteróloga. Esta última, a heteróloga, é procurada, por exemplo, por mulheres solteiras, lésbicas ou, quando o esperma do marido é de baixa qualidade. 

3.      Fertilização in vitro (FIV)

A Fertilização in vitro desenvolvida pelos médicos britânicos Patrick Steptoe e Robert Edwards, diferentemente da inseminação artificial, é feita fora do útero da mulher. Além disso, a FIV tem taxa de sucesso mais alta, entre 5 e 55% de chance.
O primeiro bebê concebido com o apoio desta técnica foi Lesley Brown, nascida em 25 de julho de 1978 em Bristol, interior da Inglaterra, no Hospital Geral de Oldham. Lesley ficou popularmente conhecida como o primeiro bebê de proveta. Na América Latina, o primeiro bebê, Anna Paula Caldeira, nasceu no Brasil em 1984, em São José dos Pinhais, no Paraná. Sua mãe após o quinto filho, tinha feito laqueadura, mas decidiu depois engravidar de seu segundo marido. Então, submeteu-se ao tratamento em fase experimental com o médico Milton Nakamura. Tanto Lesley Brown, quanto Anna Paula Caldeira, nasceram saudáveis.
Segundo a Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados) estima-se que mais de oito milhões de pessoas tenham nascido por meio dessa técnica; em países como a Dinamarca, cerca de 9% da população atual são fruto da FIV; e que sejam feitos por ano, no mundo, 2 milhões de ciclos de fertilização in vitro.
O processo da fertilização in vitro é composto por cinco etapas: estimulação ovariana (10 a 12 dias), punção ou aspiração folicular (2 a 6 dias), fecundação de óvulos, cultivo embrionário no laboratório e Transferência embrionária (10 a 15 dias). Existem duas formas de fazer a fecundação dos óvulos: o modo convencional e a ICSI (Intra Cytoplasmic Sperm Injection). No primeiro caso a fecundação é feita na placa de petri: se coloca o óvulo rodeado de espermatozoides na placa e a fecundação de dá ocasionalmente. No caso da injeção intra-citoplasmática de espermatozoides, insere-se um único espermatozoide vivo dentro do óvulo.[1]
A FIV/ICSI é homóloga quando os gametas são dos esposos e heteróloga quando pelo menos um dos gametas é de doador externo ao casal. Nesta última situação, são quatro as possibilidades, 1) gametas da esposa e de um doador, 2) gametas do esposo e de doadora, 3) gametas de doador e de doadora e, 4) pode acrescentar-se ainda uma outra mulher que vai gestar (gravidez por substituição[2]); nesta condição, a criança pode ter até dois pais (o que quis e vai cuidar e o doador de esperma) e até três mães (a que quis e vai cuidar, a doadora do óvulo e a que vai gestar.

4.      O problema ético

Não obstante, os benefícios que o aprimoramento das técnicas de reprodução assistida trouxeram às pessoas incapazes de naturalmente gerarem filhos, de outro lado fizeram despontar uma série de discussões éticas acerca do valor da vida humana e do poder que o homem tem, através da ciência, de interferir na mesma.
O progresso científico, desvinculado da ética prática, pode propiciar muitos problemas. Prova disso, são as situações de intervenção na vida humana que tiveram espaço no século XX, como as experimentações, nocivas à saúde das pessoas, realizadas sem o seu consentimento; sobretudo as empregadas pelos nazistas durante o período da Segunda guerra mundial. Tais circunstâncias, levaram à percepção da necessidade de se estabelecer princípios gerais que pudessem orientar a forma de agir correta das pessoas para o próprio bem da humanidade. A sociedade carecia de critérios para julgar e decidir. Nasce, assim, a Bioética.
A pergunta fundamental que marcou a Bioética desde o seu início é: “será que tudo que pode ser feito é eticamente correto?”. Do mesmo modo, pergunta-se, quanto aos métodos de reprodução assistida: “será que todas as intervenções que o homem pode fazer no processo da geração de novas vidas humanas, são justas do ponto de vista ético?”.
Aliás, do ponto de vista da moral cristã e do magistério da Igreja, quais intervenções são lícitas e quais não são? Além disso, do ponto de vista de Deus, que é o Autor e o Fundamento da vida, o que é possível fazer sem que se exceda a condição de criatura ou se usurpe a competência de Deus? Enfim, quais são os critérios para discernir a respeito desta questão?
Fato é, que a Igreja, “perita em humanidade”, se pronunciou a respeito destas questões e suas declarações encontram-se, sobremaneira, em duas instruções: Donum Vitae[3] e Dignitas Personae[4].
5.      Os fundamentos do juízo moral da Igreja

A ciência e a técnica são preciosos recursos do homem quando são colocados a seu serviço e promovem o seu desenvolvimento integral. Todavia, não são capazes de indicar sozinhos o sentido da existência e do progresso humano. “É na pessoa e em seus valores morais que vão buscar a indicação da sua finalidade e a consciência dos seus limites”.
O Magistério da Igreja defende uma visão integral do ser humano e de sua vocação, e vê a ciência como serviço do qual o objeto é o bem da vida e da dignidade do homem. Isto faz à disparate de cientistas e filósofos que concebem a ciência médica segundo uma mentalidade eugenética[5]. A Igreja visa, em suas declarações, chamar a atenção de “todos os interessados à responsabilidade ética e social do seu operar”, que será coerente, se respeitar a dignidade de cada homem e guardar a especificidade dos atos pessoais que transmitem a vida.
É preciso ter uma adequada concepção da pessoa humana em sua totalidade: corporal e espiritual. Estes dois elementos, corpo e alma espiritual, são unidos substancialmente e deste modo, não se pode falar de homem senão em referência a este todo, isto é, o homem não é nem corpo e nem alma, mas corpo e alma. Dada esta unidade, o corpo humano não pode ser considerado apenas como conjunto de tecidos, órgãos e funções e nem comparado com o corpo dos animais. Deste modo, toda intervenção no corpo humano envolve a pessoa toda. Aqui está o critério para a tomada de decisão quanto às intervenções biomédicas. “Nenhum biólogo ou médico pode razoavelmente pretender, por força da sua competência, decidir sobre a origem e o destino dos homens.”
O julgamento ético da Igreja sobre a Reprodução Humana Assistida se fundamenta em três pontos: o respeito ao embrião humano, a natureza da sexualidade humana e do ato conjugal e a unidade da família.
a.      O estatuto do Embrião humano
            A Igreja afirma a necessidade de se respeitar todo ser humano desde a sua concepção como se deve respeito ao homem em sua totalidade corporal e espiritual. Desde o primeiro momento da sua existência o ser humano tem direito de pessoa e sua vida é sagrada. O fundamento desta afirmação é que não se pode notar na vida humana em todas as suas etapas qualquer mudança de natureza ou gradualidade de valor moral. Portanto, o embrião humano é pessoa humana desde o início:
“Desde quando o óvulo foi fecundado, encontra-se inaugurada uma vida, que não é nem a do pai, nem a da mãe, mas a de um novo ser humano, que se desenvolve por si mesmo. Ele não virá jamais a tornar-se humano, se o não for desde logo.” (SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Declaração sobre o aborto provocado, 18 de novembro de 1974, n. 12)
O embrião é dependente da mãe, mas não é parte dela, e sim, um outro ser humano. Daí que, o princípio de autonomia não pode ultrapassar a dignidade da pessoa desde a concepção. O bebê precisa do leite da mãe e de seus cuidados para sobreviver, mas não é parte da mãe. A autonomia pode fazer que embriões, bebês, deficientes, enfermos, idosos e outras pessoas sejam considerados não humanos.
Pela conquista da biologia humana, se sabe que a partir da constituição do zigoto, fruto da fecundação, já se têm a identidade biológica de um novo ser humano. Fato é que, não se pode pela ciência reconhecer uma alma espiritual, contudo, os dados científicos apontam para uma presença pessoal desde o começo da vida humana. Portanto, desde o primeiro momento da existência do ser humano se deve reconhecer seus direitos do mesmo modo que se faz com um ser humano já nascido: “o ser humano deve ser respeitado como pessoa, desde o primeiro instante da sua existência” (SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Donum Vitae, 22 de fevereiro de 1987, 5,I,1).
Do ponto de vista da fé, se evidencia ainda mais a dignidade, sacralidade e inviolabilidade da vida humana, uma vez que, o próprio Deus assumiu a humanidade e fez dos homens, por conseguinte, filhos de Deus. O homem tem a partir de então, uma vocação eterna. Isto diz respeito a “todo” homem e se exclui, portanto, quaisquer “critérios de discriminação quanto à dignidade, com base no desenvolvimento biológico, psíquico, cultural ou no estado de saúde (SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Dignitas Personae, 8 de setembro de 2008, n. 8)”. Pelo simples fato de todo ser humano, ser objeto do amor de Deus, se deve respeitar a dignidade de todos os homens.
b.      O genuíno contexto da transmissão da vida
O nascimento de uma vida tem seu genuíno contexto no matrimônio e na família, onde os esposos se doam um ao outro, de acordo com um verdadeiro “sim” (abertura à vida) para o aperfeiçoamento mútuo e para colaborarem com Deus na geração e na educação de novas vidas. Deus escolheu dar aos homens, participar do seu ato criador, de modo que, faz depender deles a geração de novos seres humanos.
O ato que trazem à existência um ser humano, isto é, a doação mútua entre o homem e a mulher, é sinal do amor que há na Santíssima Trindade. É natural a união entre o homem e a mulher de acordo com a complementariedade natural que neles se encontra, todavia, com Cristo, o que era somente natural é sobrenaturalizado, de modo a ser um sacramento: o matrimônio. Assim, a graça do Espírito Santo, pelo sacramento, une homem e mulher com uma comunhão que é imagem da unidade da Igreja com Cristo, sua cabeça.
A vida é sagrada e a sua transmissão também. Somente no matrimônio é que a vida pode ser concebida, pois este é o contexto original em que se exige um ato pessoal e consciente, sujeito à lei de Deus, o ato conjugal. Neste sentido, dois são os valores conexos com as técnicas de procriação artificial humana: a vida e a originalidade da sua transmissão no matrimônio. São estes valores que ditam o juízo moral para tais métodos.
A vida humana é sagrada, pois o homem é a única criatura querida por Deus em si mesma e ela comporta desde seu início o ato criador de Deus. Somente Deus é Senhor da vida, de modo que, ninguém pode reivindicar para si o direito de destruir um ser humano inocente.
De igual modo, a sexualidade foi criada por Deus e, por conseguinte, é boa, santa e sagrada. Somente no matrimônio, e neste contexto se chama ato conjugal, é que o sexo se realiza segundo sua dignidade. O ato conjugal tem dois fins: unitivo e procriativo. Entre estes dois fins há uma conexão inseparável.
Na verdade, pela sua estrutura íntima, o ato conjugal, ao mesmo tempo que une profundamente os esposos, torna-os aptos para a geração de novas vidas, segundo leis inscritas no próprio ser do homem e da mulher. Salvaguardando estes dois aspectos essenciais, unitivo e procriador, o ato conjugal conserva integralmente o sentido de amor mútuo e verdadeiro e a sua ordenação para a altíssima vocação do homem para a paternidade. Nós pensamos que os homens do nosso tempo estão particularmente em condições de apreender o caráter profundamente razoável e humano deste princípio fundamental. (PAULO VII, Humanae Vitae, 5 de julho do ano de 1968, n. 12)
A procriação de uma pessoa humana deve ser buscada como o fruto do ato conjugal de amor entre os esposos (Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Dignitas Personae, 8 de setembro de 2008, n. 12). Somente o ambiente familiar é ambiente estável para a criança atingir seu desenvolvimento e fim último.
c.       A unidade da família
O matrimônio e a família, por sua natureza, excluem qualquer tipo de participação externa, de um terceiro, na relação familiar. Quer dizer, a família exclui: o adultério, a poligamia, a poliandria, e qualquer coisa do tipo. Um homem só pode ter uma mulher e uma mulher só pode ter um homem. O sacramento do matrimônio torna homem e mulher uma só carne e, desta forma, não há espaço para outra pessoa nesta relação. Trata-se de um amor fiel e exclusivo até a morte:
É, ainda, amor fiel e exclusivo, até à morte. Assim o concebem, efetivamente, o esposo e a esposa no dia em que assumem, livremente e com plena consciência, o compromisso do vínculo matrimonial. Fidelidade que por vezes pode ser difícil; mas que é sempre nobre e meritória, ninguém o pode negar. O exemplo de tantos esposos, através dos séculos, demonstra não só que ela é consentânea com a natureza do matrimônio, mas que é dela, como de fonte, que flui uma felicidade íntima e duradoura (PAULO VII, Humanae Vitae, 5 de julho do ano de 1968, n. 9).
Que triste a realidade de famílias em que esta unidade é quebrada! Os filhos são os que mais sofrem, pois lhes é negado, o direito de ter um pai e uma mãe e crescer ao seu lado recebendo todo amor e os valores cristãos.

6.      Circunstâncias e consequências que as técnicas de Reprodução Humana Assistida comportam com respeito ao embrião humano

É preciso considerar, ademais, as circunstâncias e as consequências das práticas de Reprodução Humana Assistida, as quais mostram a complexidade de tais intervenções no início da vida humana.
Neste sentido, a fim de garantir a eficácia do tratamento in vitro, para não proceder com variadas extrações de ovócitos na mulher e para o caso de os pais desejarem uma segunda gravidez, algumas técnicas realizam uma única extração múltipla de ovócitos[6], que é seguida da crioconservação dos embriões que não serão utilizados na primeira fecundação. A crioconservação é um processo de congelamento a baixíssimas temperaturas com o fim de conservar os embriões por longo período. É possível também, crioconservar os ovócitos e fecundá-los quando se desejar.
Outras técnicas, além disso, realizam a transferência múltipla de embriões para o seio materno. Transfere-se dois ou três embriões e o que for mais viável continua a ser gestado enquanto os outros são exterminados. Esta prática é chamada de redução embrionária. Funciona como na agricultura: se lança várias sementes, mas ao crescer, uma acaba atrapalhando o desenvolvimento da outra, daí se escolhe a melhor e arranca-se as outras. Trata-se de uma seleção.
Ademais, existe uma prática de diagnóstico pré-implantatório que se realiza com o objetivo de transferir para o útero somente os embriões sadios ou se determinado sexo ou com determinadas qualidades particulares. Neste caso, os embriões defeituosos são eliminados. Se trata de uma seleção qualitativa com consequente eliminação de embriões.

7.      O juízo moral da Igreja

A Igreja afirma que o critério para a licitude das técnicas artificiais de procriação não é o fato de serem artificiais, mas a Dignidade da pessoa humana. Esta dignidade é garantida se os seguintes bens fundamentais não são violados: o direito à vida e à integridade física, a unidade do matrimônio e da família e os valores especificamente humanos da sexualidade.
Este critério impossibilita o uso da inseminação artificial e da FIV heterólogas, pois constituem uma violação do compromisso recíproco dos esposos e da unidade do matrimônio e da família, bem como dos direitos do filho. Tal técnica, realiza uma ruptura entre função parental genética, função parental de gestação e responsabilidade educativa, uma vez que, o esperma ou o óvulo de uma terceira pessoa, isenta um dos esposos de ser pai ou mãe genético do filho; além disso, se gesta um filho que não é geneticamente o do casal; e, como se não bastasse, a criança não é educada pelos seus pais genéticos. Isto tudo constitui um grande prejuízo para o desenvolvimento do filho. Em visto disso, o juízo moral da Igreja é negativo quanto à Fecundação heteróloga.
Igualmente, a maternidade substitutiva é ilícita, já que constitui uma falta objetiva contra as obrigações do amor materno, a fidelidade dos esposos e a maternidade responsável. Ela ofende os direitos do filho de ser concebido, gerado, posto no mundo e educado pelos seu próprios pais. Tal prática instaura uma divisão entre elementos físicos, psíquicos e morais da família.
Ademais, a FIV homóloga, pelo fato de separar os dois fins essenciais do ato conjugal (unitivo e procriativo), é em si, moralmente ilícita. A fecundação tem que ser termo do ato conjugal e tal prática, busca uma procriação que não é fruto específico de um ato de união conjugal. Instala-se, portanto, uma separação entre os fins unitivo e procriativo. O ser humano deve ter sua origem no amor e doação dos esposos e não na intervenção técnica.
O FIVET homólogo realiza-se fora do corpo dos cônjuges mediante gestos de terceiros, cuja competência e atividade técnica determinam o sucesso da intervenção; ele entrega a vida e a identidade do embrião ao poder dos médicos e dos biólogos e instaura um domínio da técnica sobre a origem e o destino da pessoa humana. Uma tal relação de domínio é, em si, contrária à dignidade e à igualdade que deve ser comum a pais e filhos. (SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Donum Vitae, 22 de fevereiro de 1987, II,B,5)
A inseminação artificial homóloga, por sua vez, é admitida se não for substitutiva do ato conjugal, pois a intervenção médica é lícita se respeita a dignidade do ato conjugal. Portanto, toda intervenção autêntica é a que resolve o problema da infertilidade e sai de cena permitindo ao casal realizar atos conjugais com fim procriativo sem intervenção direta do médico.
Ademais, “a crioconservação é incompatível com o respeito devido aos embriões humanos e pressupõe sua produção in vitro.” (CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Dignitas Personae, 8 de setembro de 2008, n. 18) O embrião humano tem dignidade de pessoa humana e não pode viver de forma tão indigna como esta, congelado. As condições são más e o risco para sua integridade física é altíssimo. Se trata de seres humanos manipulados, dos quais a maior parte fica órfão e vive num depósito. Segundo a Dignitas Personae, 80% deles são sacrificados.
Os embriões humanos obtidos in vitro são seres humanos e sujeitos de direito: a sua dignidade e o seu direito à vida devem ser respeitados desde o primeiro momento da sua existência. É imoral produzir embriões humanos destinados a serem usados como « material biológico » disponível. (SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Donum Vitae, 22 de fevereiro de 1987, I,5)
A Igreja, infelizmente, não vê saída moralmente lícita para a situação dos milhares de embriões excedentários e extranumerários congelados. É uma situação de injustiça irreparável. Não é permitido seu uso para investigações ou terapias, pois não são simples material biológico. Toda pesquisa e experimentação que consista num prejuízo à integridade do nascituro e à sua dignidade, é ilegítimo. Cada ser humano deve ser respeitado em si mesmo e não pode ser reduzido a mero e simples valor instrumental em proveito de outrem. Para se fazer um bem a uma pessoa não se pode causar o mal de outra: os fins não justificam os meios.
De certo que, esta destruição dos embriões não é sempre intencional. Contudo, o é muitas vezes. Os defeituosos são diretamente descartados. Há, além disso, pais que sendo férteis, se utilizam da técnica para escolher a genética dos filhos. Neste caso, é feita uma transferência múltipla de embriões e se prevê que embriões se percam para garantir a procriação. A prática da redução embrionária é intrinsecamente ilícita. Significa um aborto, um assassinato de um ser humano em seu período inicial de vida.
Aliás, nas ações acima referidas, sobretudo quanto à realização do diagnóstico pré-implantatório e a redução embrionária, pode-se perceber nitidamente a mentalidade eugenista, tão condenada pela Igreja. Não há uma raça pura, mas todos os homens, desde o início até o fim de sua vida, são iguais e sujeitos dos mesmos direitos. Ninguém pode arrogar-se o direito de dispor da vida alheia. A vida humana é inviolável e indisponível. Somente Deus é Senhor da vida.
A Igreja ensina que não é verdadeira solução para a infertilidade, a fertilização in vitro, pois neste caso o embrião humano que é uma pessoa é tratado como simples conjunto de células, que são usadas, selecionadas e rejeitadas. Ademais, não se respeita o direito à vida dos embriões, uma vez que se produz número maior do que o que será utilizado no procedimento. E o fim daqueles, é a morte.
Em resumo, fecundação in vitro, não é aceitável, pois trata seres humanos em estado embrionário como instrumento para satisfazer desejos. Deus ama cada ser humano independentemente do estágio da vida que esteja. Além disso, viola a sacralidade do ato conjugal que não é simples reprodução, mas implica a intimidade e o amor dos esposos. A Igreja reitera, portanto, o caráter sagrado e inviolável de toda vida humana.
8.      Conclusão
A Igreja tem compaixão dos casais que não podem ter filhos e lamenta o fato da esterilidade. Todavia, proclama que os filhos não são direito dos pais, mas dom de Deus. O matrimônio não dá direito a filhos, mas à realização de atos conjugais ordenados à procriação. Um filho não é objeto ou propriedade dos pais, mas um gratuito dom do matrimônio. Deste modo, a Igreja convida os casais acometidos por este sofrimento, a ter olhar espiritual e unir sua dor à de Cristo na cruz: “os esposos que se encontram nesta dolorosa situação são chamados a descobrir nela a oportunidade para uma particular participação na cruz do Senhor, fonte de fecundidade espiritual” (SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Donum Vitae, 22 de fevereiro de 1987, II,B,8). A falta de fecundidade natural não anula o amor dos esposos e seu matrimônio; e não priva os casais de nutrir uma fecundidade espiritual que pode se manifestar de inúmeras formas, como por exemplo, a adoção, as obras educativas, o auxílio a outras famílias e a ajuda às crianças pobres e deficientes. Além disso, tanto os casais, quanto os órgãos de saúde reprodutiva e demais estudiosos e pessoas de bem, são convidados a contribuir com a prevenção de esterilidade, tal como sua cura.

Bibliografia 

SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução Donum Vitae, 22 de fevereiro de 1987. Disponível em: < https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19870222_respect-for-human-life_po.html >. Acesso em junho de 2020. 

SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Instrução Dignitas Personae, 8 de setembro de 2008. Disponível em: < http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20081208_dignitas-personae_po.html >. Acesso em junho de 2020. 

SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Declaração sobre o aborto provocado, 18 de novembro de 1974. Disponível em: < https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19741118_declaration-abortion_po.html>. Acesso em junho de 2020. 

PAULO VI. Carta Encíclica Humanae Vitae, 5 de julho do ano de 1968. Disponível em: <http://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/encyclicals/documents/hf_p-vi_enc_25071968_humanae-vitae.html>.  Acesso em junho de 2020. 

REPRODUÇÃO ASSISTIDA: a evolução da ciência no campo da reprodução humana. Revista Saúde em Foco – Edição nº11 – Ano: 2019. Disponível em: < http://portal.unisepe.com.br/unifia/wp-content/uploads/sites/10001/2019/02/024_REPRODU%C3%87%C3%83O-ASSISTIDA-a-evolu%C3%A7%C3%A3o-da-ci%C3%AAncia-no-campo-da-reprodu%C3%A7%C3%A3o-humana.pdf>. Acesso em junho de 2020. 

História da Fertilização in vitro. Mater Prime, São Paulo, 09 de novembro de 2018. Disponível em: <https://www.materprime.com.br/historia-da-fertilizacao-in-vitro/>. Acesso em junho de 2020. 

Os 40 anos do bebê de proveta. Anahp, Brasília, 25 de julho de 2018. Disponível em: <https://www.anahp.com.br/noticias/noticias-do-mercado/os-40-anos-do-bebe-de-proveta/>. Acesso em junho de 2020. 


[1] Essa opção costuma ser adotada quando se sabe, previamente, que o espermatozoide não consegue fertilizar o óvulo por conta própria.
[2] Tem que ser gratuita e feita por uma pessoa da família como, por exemplo, o esperma do esposo e o óvulo da esposa que fecundado in vitro será gestado pela mãe da mulher.
[3] SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Donum Vitae, 22 de fevereiro de 1987.
[4] SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Dignitas Personae, 8 de setembro de 2008. Se trata de uma instrução de natureza doutrinal que enfrenta problemas gerados pelos avanços na área da biomedicina, à luz dos critérios da Instrução Donum Vitae e de acordo com as indicações de método e de conteúdo das encíclicas de João Paulo II: Veritatis Splendor e Evangelium Vitae.
[5] Francis J. Galton é o pai deste conceito. Eugenia é fruto de um darwinismo social segundo o qual a sociedade evolui e os mais fortes sobrevivem enquanto os mais fracos morrem de acordo com uma seleção natural. Diz respeito à uma raça pura. A título de exemplo, o partido nazista era eugenista e praticou o que praticou de acordo com esta mentalidade.
[6] Células germinais femininas não penetradas pelo espermatozoide.

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