O Homem diante do sofrimento - Uma reflexão a partir da obra de Viktor Frankl

Em busca de sentido

O homem diante do sofrimento

 

Desde a infância, o ser humano vive muitas dificuldades que têm por consequência sofrimentos difíceis de suportar, ou ainda, extremamente traumatizantes a ponto de tornar-se um fiel companheiro da pessoa, impossibilitando-a de realizar muitas coisas durante a vida. Ora, os fatos que desejo tratar não ficarão detidos em situações de extremo sofrimento, como a de uma pessoa que é sequestrada e sofre os piores tormentos durante sete dias, mesmo que durante quase 90% desta dissertação utilize como base o livro de Viktor E. Frankl “Em busca de sentido[1], onde o autor narra a própria experiência durante a Segunda Guerra Mundial, mas abrangerei também sofrimentos mais comuns a todos, para que, ao observar as ações do autor diante do tratamento desumano sofrido nos campos de concentração, tenha-se a ideia central que ajudará a passar por cada situação heroicamente. E como irei usar o livro como base, iniciarei expondo um breve resumo, me aprofundando conforme for decorrendo.

No início da obra, o autor faz uma exposição geral para que se possa abstrair o contexto que ele viveu, mostrar como ele, sendo um psicólogo, volta seu olhar para as reações psicológicas dos prisioneiros, distinguindo-as em três fases. A primeira fase Viktor chama de “fase de recepção no campo”, a segunda como “fase da vida em si no campo” e a terceira titulou “fase após a soltura”. Trabalha, então, o livro todo abordando cada uma das dessas, levando o leitor a entender o que se passava interiormente na vida daqueles que já não possuía mais nomes, mas eram tratados com números, como se não fossem mais seres humanos. Ainda, de forma breve, apresenta que, assim como Freud, que foi seu predecessor, buscou preocupar-se com a cura das neuroses, diferindo no ponto de não acentuar as frustações da vida sexual como a causa destas, mas sim as frustações da vontade de sentido, linha que o levou a fundar a Logotarapia, que tem por objetivo ajudar a pessoa a construir padrões firmes, com sentido e responsabilidade, a partir das ruínas que vive a pessoa.

A primeira fase é repleta de situações impactantes, pois, é apenas o contato com o que gera dor, que permite senti-la, sendo então, impossível estar pronto para suportar o que nuca se sentiu antes. É um momento de muito choque, devido a ações como ser despidos de todas as suas roupas e cortados todos os pelos do corpo, colocando roupas iguais em todos, onde inseria o novo nome de cada um (os números, cujo de Frankl era 119 104). Nesta fase começam a passar por coisas horríveis que depois mostram resultados imagináveis, como as gengivas, que mesmo sem escovar os dentes por dias, não ficavam em um estado tão ruim como se imagina, ou ainda ver uma pessoa que sempre sofreu de insônia dormir tranquilamente sendo as situações dos dormitórios desumanas, como descreve o autor: “Na primeira noite em Auschwitz, dormi em beliches de três andares, e em cada andar (medindo mais ou menos 2 x 2,5 m) dormiam nove pessoas, em cima de tábua nua; para cobrir-se, havia dois cobertores para cada andar, isto é, para nove pessoas.”[2]

Segundo o autor, está primeira fase gera choques diferentes, conforme as circunstâncias que rodeiam o ambiente. Mas sempre todos passavam por grandes sofrimentos, e muitos não suportavam estes choques da recepção, então iniciavam uma busca, almejando fugir de tal tormento. Uma das soluções para essa procura, era uma ação chamada de “ir para o fio”[3], que consistia em cometer suicídio tocando no arame farpado, por onde se passava energia elétrica. Era realmente uma fase onde muitos eram eliminados ou se eliminavam. Mas também nesta fase, os prisioneiros com mais experiências ajudavam os novatos com dicas de sobrevivência, entre elas, não ficar com cara de doente, pois provavelmente seria levado para a câmara de gás, ou ficar com medo. A necessidade de aprender a reagir normalmente diante de situações normais e de forma anormal em anormais, era de extrema importância, e foi o Viktor buscou fazer bem neste período, chegando a concluir que não sofrera tanto nesta primeira fase.

Caminho agora para situações mais comuns e, a princípio, menos dolorosas, donde desejo fazer uma analogia a essa primeira fase. Iniciando pelo exemplo de uma mãe, que, a partir da gravidez, inicia uma nova vida que traz consigo uma grande responsabilidade levando-a a enfrentar diversas dificuldades, tento em vista o bem do filho, e não o próprio.

Começo observando a fase em que a mulher descobre que está gravida, mas colocando como objeto desta observação uma menina de 14 anos, que não possui condições financeiras estáveis em sua família e tem um pai extremamente grosso e inflexível, que a deixa com muito medo diante de qualquer erro. Quais são as primeiras reações de uma pessoa que se encontra neste contexto? Quantas pessoas que irão julgá-la? Quantas a ajudarão? A estas perguntas existe um conhecimento empírico, após se presenciar tantos dramas que constantemente se fazem presentes até nas melhores famílias.

Para tal fato, umas meninas abortam, outras se matam, outras, após o nascimento abandonam a criança. Mas existem também as que assumem o filho que estão gerando e desde o início ama-o incomensuravelmente. E quando o mesmo nasce, as dificuldades parecem aumentar, mas na maioria dos casos, vemos as mães desgastando-se ao máximo para superar tudo que for necessário, visando o bem-estar daquele que ela gerou.

O mesmo impacto pode-se encontrar diariamente em muitos casos, onde sempre haverá pessoas que abandonam tudo e outras que vão aprendendo a se adequar a muitas coisas para que possa continuar sobrevivendo naquele caminho que desejou trilhar, vencendo cada barreira. Mais um exemplo é o de um aluno que escolhe seguir uma carreira, e quando inicia seus estudos depara-se com inúmeros livros, trabalhos, apresentações, etc. Havendo tantos casos e sempre existindo essa semelhança de reações ao sofrer grandes choques, se faz necessário entender o que leva algumas pessoas a escolherem uma via dolorosa e outras a abandonarem tudo.

Ora, para o estudante, sabe-se que, a todo tempo, o que mantém a pessoa focada e indestrutível é a sua visão futura de tudo que alcançará com todo esforço que é exigido. A mãe se entrega de uma forma quase incompreensível, pois acima de qualquer coisa, parece estar a vida do filho, aquele que foi gerado de seu ventre. E para Frankl, naquele campo também havia algo, que sendo possuído pelas pessoas, permitiriam que elas sobrevivessem ou morressem heroicamente. Todos estes exemplos, então, resumem-se na frase título desta dissertação: “Em busca de sentido”

E é esta temática que Viktor desenvolve na segunda fase, da qual é composta a maior parte do livro. Para explicar este tema, o autor apresenta diversos fatos e situações, mostrando como é a conduta de uma pessoa que almeja transcender àquela realidade. Apresenta concretamente o que é esta busca e quais seus frutos. Mostra que tal fase toma partido na vida da pessoa já após poucos dias no campo de concentração, onde o prisioneiro começa a sofrer a relativa apatia[4], que é a morte gradativa e interior na vida da pessoa composta pela saudade dos familiares, do nojo de todo feio que o cerca, tanto interior como exteriormente e tantas outras coisas. Não ocultando que os impactos, nos poucos dias no campo, já começam a alterar as reações psíquicas dos prisioneiros diante da tortura alheia, chegando a não se perturbarem mais ao ver estas coisas.

O cenário que Frankl encontra esse sentido para viver era repleto de atos que deixava os prisioneiros, cada vez mais, com maior insensibilidade emocional e um desleixo interior e uma indiferença cada vez maior. Sofriam muita dor com o escárnio sofrido e também com a falta de razão com que eles eram submetidos a agressões terríveis, fazendo essa apatia crescer cada vez mais, levando o prisioneiro a focar-se apenas em sobreviver cada dia, gerando falas, como descreve o autor “Então, mais um dia.”, que eram muito escutadas no campo. Aqui abro parênteses para um fato relevante: no meio de todos prisioneiros, os soldados da SS escolhiam alguns para liderarem grupos que eram chamados “CAPOS”, estes passavam pelos mesmos sofrimentos que os outros, mas mesmo assim, a maioria aproveitava do cargo para garantir sua sobrevivência sem pensar nos que se encontram na mesma situação que outrora ele estava. E desse pensamento de sobrevivência que poderá surgir a busca pelo sentido, a partir do momento que se foca em uma sobrevivência transcendental, enquanto que outros ficaram detidos na simples sobrevivência diária, tendo como sonhos, pães, cigarros e uma banheira quentinha, que os levava à frustração todas as vezes que ia de encontro à realidade. Estes, do segundo caso, são os que viviam sem sentido.

Então o autor começa a, a partir do cenário apresentado, descrever as disposições estáveis que adotavam aqueles que buscavam sentido, sendo o primeiro hábito, o de ser capaz de fugir daquelas situações exteriores e refugiar-se em sua liberdade interior por possuir uma vida intelectual e cultural. Frankl narra um momento em que ao meditar, relembra-se de sua esposa, que não estava ali, mas que através do exercício intelectual ele a torna presente, descrevendo tal fato da seguinte maneira: “Converso com minha esposa. Ouço-a responder, vejo-a sorrindo, vejo seu olhar como que a exigir e a animar ao mesmo tempo; […]”[5]. Neste primeiro aspecto, pode-se entender a intenção dos nazistas no início da segunda guerra mundial, em eliminar todas as “grandes mentes” da Polônia, assim que a invadiram, pois desta maneira eliminam uma forma de cultura do povo.

Voltando para o exemplo de uma mãe, já é possível criar um entendimento do porquê, nos dias atuais, a busca pela realização do aborto está cada vez maior. Em uma visão geral, a cultura de ser mãe está sendo cada vez mais destruída, e também a cultura do amor e da entrega sexual, que está sendo diminuída a um puro hedonismo próprio. Está se tornando relativo algo que era concreto e puro. Com essa perda, não há mais cultura nesse aspecto. Ora a cultura é um grande alicerce para poder haver uma fuga para dentro de si, ou seja, para que o ser que sofre, possa transcender para além das dificuldades, como mostrado anteriormente. Portanto, a mãe sem cultura não encontrará sentido para lutar e preferirá matar o filho, assim conseguirá buscar o que é de verdadeiro sentido na vida dela, as futilidades viciosas, totalmente redutoras a um aspecto irracional do animal, submetendo-se a uma vaca ou um cachorro por exemplo. Não é muito parecido com o sonho do pão, do cigarro e da banheira? Pois assim o é, uma busca em simplesmente sobreviver ao hoje de uma forma prazerosa e egoísta.

Existiam nos campos de concentração, segundo Viktor, muitas outras atividades e ações que ajudavam a pessoa a ter um motivo a mais para viver, entre elas estão as conversas sobre política e religião, desenvolver artes, encontrar felicidade na ausência da dor, estar com todos, mas também viver a solidão, entregar a vida nas mãos do destino, entre outros. Mas, como visto nos parágrafos anteriores, viviam bem aqueles que encontravam sentido à vida; aqueles que alcançavam um mundo longe do campo através da capacidade de transcender; ainda, os que venciam a apatia e a irritação, ao preservar o que há na liberdade humana e ninguém pode retirar, pois está no interior de cada um, e com isso realizavam atos “fora do esquema”[6], que eram chamados de atos heroicos.

Para todas estas questões abordadas até agora, há uma frase de Dostoievsky que Frankl cita no livro[7], que mostra a valorização da cultura heroica a pouco citada, sendo ela: “Temo somente uma coisa: não ser digno do meu tormento”. A está, acrescento ainda uma frase de Nietzsche: “Quem tem por que viver aguenta quase todo como”, também citada pelo autor[8]. Dessa forma não restam dúvidas da importância em ter um sentido, e a explicação do nascimento de tantos mártires nos campos de concentração.

Observando agora a situação de um pai de família, que trabalha como lixeiro e, mesmo tendo um trabalho tão humilhante, realiza-o com a maior alegria do mundo, pois este sabe que a razão de sua entrega é poder colocar alimento na mesa e ver cada filho sorrindo, independente de quantas vezes precisou colocar a mão nos piores lixos. Há como não definir este homem como um herói? Fato que também se pode encontrar em todas as profissões, como por exemplo um policial, que escolhe não atirar no peito de um bandido, sabendo que apenas um tiro na perna é o suficiente. Quem encontra sentido na vida, consegue olhar para dentro de si e analisar cada passo, para que possa agir da melhor forma, que não preserve somente a própria vida, mas a de cada pessoa, mesmo sendo ela boa ou ruim.

Aquele que encontra sentido, tem uma visão voltada para o futuro, como o estudante que, ao perder noites de sono, permanece focada em conseguir o emprego dos sonhos, e também encontrará sentido no sofrimento e na morte, como a mãe, que após ter escolhido criar o filho com tantas dificuldades, não mede esforços em ter que dar a vida por ele.

Com todos esses pontos já apresentados, tem-se uma compreensão das diferentes reações do homem diante do sofrimento. Mas para acrescentar algo ao conteúdo de base, que é a experiência vivida e narrada por Frankl, segue um ensinamento do Papa Francisco, líder atual da Igreja Católica, em resposta à seguinte questão: “O que fazer quando se enfrenta uma dificuldade? ”, da qual se seguiu a resposta: “[…] Nunca se deve entrar em pânico. Nós somos capazes de superá-las, todas. Precisamos apenas de um tempo para compreender, inteligência para buscar o caminho e coragem para seguir em frente. ”.

Assim vemos, constantemente, que há ao redor motivos para enfrentar os sofrimentos e há pessoas que testemunhem os frutos da luta. Mas porque uns suportam a dor e outros não? Por que uns são heróis outros não? Ora, boa parte dos seres humanos, cada vez mais, estão optando pelos caminhos mais fáceis, menos dolorosos e mais prazerosos. Mas, ao analisar cada fato evidenciado e testemunhado até aqui, gera-se um desejo de viver em busca de sentido, pois é facilmente apreensível as positivas consequências derivantes. Então onde está o erro? Por que na prática não acontece da mesma forma?

Não é preciso meditar tanto para perceber as respostas a essas perguntas. Exige apenas um olhar mais amplo para a situação da sociedade onde será identificado a grande decadência em muitos aspectos, tendo como um grande resultado, a extinção da cultura, como havia citado anteriormente. A questão do relativismo, também muito presente na atualidade, é outro fator agravante na busca da autotranscendência, pois quanto mais a verdade é deixada de lado e tudo que é começa a se torna o que não é, ou seja, as coisas começam a perder sua identidade, menos valor terá as coisas, extinguindo o próprio valor humano. Também não se encontra mais pessoas que possuem esperança na eternidade, ao defenderem teses modernas, como a de Darwin, Marx e Freud. Sintetizando, não há mais cultura; estamos em campo de concentração onde a única forma de sobreviver é fugir dos paradigmas, acreditando em uma única verdade que dê sentido à vida, e com a esperança de viver na eterna felicidade decorrente da capacidade de autotranscender.

Apresentarei agora, ao ter chegado na consideração dos resultados da busca de sentido, a terceira parte da obra de Viktor E. Frankl. E é nesta fase que se encontra algo não imaginado de início: o grande número de pessoas tristes diante da liberdade. Ora, nesta fase não há mais prisão, mas mesmo assim o cenário descrito pelo autor recorda filmes de terror, e isto por um motivo compreensível: estar livre do campo, não implica estar livre da prisão criada interiormente por si mesmo, alicerçada na ausência de sentido e de esperança. Ela está livre, mas não possui sentido para viver a liberdade. Algumas pessoas ainda, possuíam alguma esperança, porém era, em primeiro lugar, ligada a algo exterior, como o reencontro com os familiares, ou o retorno para a casa, e assim, não podendo estar unido a estes objetos, descontrói-se toda estrutura que foi elaborada e tomada como sentido único da vida. Mas aqueles que realmente autotranscenderam, concretizaram apenas a liberdade exterior, pois já eram libertos interiormente.

Não há como negar a relevância deste último aspecto que é apresentado acerca da obra, pois ao observar o exemplo do estudante, verá que simplesmente concluir a faculdade e entrar em determinada empresa não pode ser o sentido de cada esforço de sua vida, pois pode ocorrer daquela empresa falir e ele viver frustrado com tal fato, mas o sentido deve estar, em primeiro lugar, no interior, visto que, querendo o estudante ser um médico, ele será feliz ao poder exercer o que ele sempre foi interiormente: alguém que luta pela vida de outro, não precisando estar em um hospital para ser um médico, porém em qualquer lugar. Também podemos ver que uma mãe que é mãe interiormente, saberá enfrentar a morte de um filho que ela aceitou sabendo que poderia morrer desde a gravidez por uma doença, tendo-o, desde o ventre, como seu amor, e após sua morte, possuirá interiormente o sentido para suportar a dor e conseguiu ser feliz, ao ver que em nenhum momento deixou de ser mãe, e ainda, que continuará amando o filho até o fim.

Para concluir, utilizarei outra frase de Fiódor Dostoievski: “A maior felicidade é quando a pessoa sabe o porquê é infeliz”. Tendo em vista esta, vê-se que realmente a busca da transcendência dará um sentido interno à vida da pessoa, em razão do conhecimento de ser infeliz, citado na frase, ser interior. Assim sendo, para Fiódor, a felicidade mais alta reconhece algo interior que motiva à felicidade gerando ações exteriores, e estas, por sua vez, serão as chamadas “ações heroicas”. Será assim, o mártir e o herói, resultados de uma autotranscendência. E ligando todos estes aspectos conclusivos, haverá a importância do acréscimo de um termo não apresentado em toda está dissertação: “vontade”. Só encontrará sentido quem escolhe não viver aprisionado ao regime do prazer hedonista, do relativismo, da era prática e da vida sem cultura. “Escolher ser livre! Encontrar sentido! Ser Feliz! ”.



[1] Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração/ Viktor E. Frankl. Traduzido por Walter O. Schlupp, e Carlos C. Aveline. 41. ed.– São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes, 2017.

[2] IBIDEM; p. 31.

[3] IBIDEM; p. 32.

[4] IBIDEM; p. 35.

[5] IBIDEM; p. 55.

[6] IBIDEM; p. 88.

[7] IBIDEM; p. 89.

[8] IBIDEM; p. 101.


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