O livro da Sabedoria em um diálogo com comentadores
O livro da Sabedoria, originalmente, foi escrito em grego, o
que o coloca fora dos livros da Tanak -
que é o cânon palestinense -, estando presente apenas na versão dos LXX e, de
todos os livros, ele “é o escrito judaico mais novo incluído”[1]
neste cânon. Tradicionalmente traz o nome de Sabedoria de Salomão, dado que no
centro da obra trata-se deste Rei, porém São Jerônimo preferiu denominar apenas
como Livro da Sabedoria.[2]
Quando Silvia Schroer trata desta obra ela apresenta uma
estrutura interessante, a qual não se diferencia da que boa parte dos
comentadores deste livro sagrado usam, inclusive nas Bíblias de diferentes
traduções é possível identificar a mesma linha de raciocínio. Ela propõe uma
divisão em 3 partes principais: o bloco I
que trata de uma “exortação sapiencial de amar a justiça e buscar a Deus, de
não dar espaço à morte na vida”[3];
em seguida vem o bloco II que “é um
discurso de louvor (ecômio) à sabedoria”[4];
o bloco III se caracteriza por ser
uma “recordação do Êxodo em forma de hino”[5]
Diante da análise que a autora faz desta obra, retira-se uma
visão da Sofia como “símbolo de um
diálogo inter-religioso e intercultural numa sociedade multicultural por volta
da virada das eras.”[6]
E desta perspectiva ela foca a característica de “rompedora” das escleroses e
ontologizações que se encontram no discurso antrocênctrico de Deus.[7]
O que garante a esta obra, segundo ela, ser totalmente atual, pois “constitui
um programa contra o fatalismo e a necrofilia, uma convocação a amar a tudo o
que vive do modo como Deus o ama. Ela é expressão da confiança de que Deus intervém
contra os poderes da morte.”[8]
Além de Schroer, Jean-Louis Ska, no O Antigo Testamento também expõe uma breve, porém importante,
reflexão sobre o livro da Sabedoria. Na primeira das poucas páginas que trata
sobre este livro sapiencial, manifesta os dados associados com o helenismo, o
que já foi colocado anteriormente, mas há um acréscimo importante para este
diálogo: por conta do estilo poético utilizado no texto bíblico, que é o mesmo
usado em outras obras gregas, se afirma a originalidade helenística do texto
bíblico. E ainda, para fechar este aspecto com este autor, o mesmo fala do
vocabulário refinado e sutil do autor da obra, mostrando que este era um
conhecedor e erudito do grego.[9]
Dentro desta exposição de conhecimentos de distintos
autores, a fim de frisar em análises do texto em si, se coloca agora uma obra
da CNBB elaborada para o Mês da Bíblia de 2018. Diante tantas informações
relevantes para um aprofundamento no livro da Sabedoria, destacar-se-á a
relação que é feita com o Novo Testamento, associando muitas coisas à vida de
Jesus Cristo. O texto vai seguir a divisão apresentada anteriormente,
desenvolvendo apenas o bloco I e II, que no fundo são as duas partes mais
importantes, já que o bloco III são apenas recordação da história onde
aconteceu os pontos apresentados nos blocos anteriores, sendo assim, além de
dar uma reflexão profunda de cada parte, ilumina toda compreensão à luz de
Cristo, mostrando que ele foi quem melhor amou a justiça e viveu a sabedoria:
Cristo não possui, ele é a própria sabedoria.
Um exemplo que pode ser dado é o estudo dos primeiros
versículos do livro da sabedoria. Lá se fala do livro começar “com um apelo
urgente aos que governam a terra, confrontando-os com a exigência de amarem a
justiça.”[10]
Tal como é lido em Sb 1,1: “Amais a justiça, vós que julgais a terra, […].”
Isso pois, segundo a obra, aquele que governa deve amar a justiça e somente
assim irá adquirir a verdadeira sabedoria e outras virtudes, tal como será
visto no capítulo oitavo do livro da Sabedoria. Na continuidade aparece a
relação entre fazer a vontade de Deus e viver a sabedoria, onde se entende que
Deus “se revela aos que não lhe recusam a fé” (Sb 1,2). Toda essa análise se
conclui apresentado Jesus como quem viveu plenamente essa sabedoria, o que faz
dele um governante perfeito:
“Governantes e
governados, guiados pela justiça e por pensamentos retos na docilidade ao
Espírito Santo, resistem às provas e às seduções da vaidade, da soberba e da
corrupção. A justiça, que se realizou em Jesus Cristo como total obediência à
vontade de Deus, seguida por seus discípulos, atesta como se percorre o caminho
da realização humana e da liberdade. É o antídoto contra a morte oriunda de
todas as formas de injustiças praticadas contra Deus e contra o próximo. Onde o
duplo mandamento é praticado, não sobra espaço para as injustiças.”[11]
Temas, assuntos e o que o texto fala sobre Deus
O primeiro tema que aparece na obra, que é de grande
importância, é sobre a Justiça e sua relação com a Sabedoria. Já no início do
livro se lê: “Amai a justiça, vós que julgais a terra, […].” (Sb 1,1). A
relação é que o homem que busca viver a justiça alcança a sabedoria, pois
aquele que vive a justiça mantém sua alma limpa, ou seja, não se torna um
ímpio. Ora, “A Sabedoria não entra numa alma maligna” (Sb 1,4), mas àquele que
pensa no Senhor com retidão, que segue suas leis, pratica a justiça, Ele se
revela (Sb 1,2).
O capítulo dois irá mostrar o chamado “discurso do ímpio”,
onde se demonstra que aquele que não vive a justiça busca falsear uma vida
alegre e justifica suas condutas baseado em falsos prazeres e alegrias, quando
diz, por exemplo: “Vinde, pois, desfrutar dos bens presentes e gozar das
criaturas com ânsia juvenil. Inebriemo-nos com o melhor vinho e com perfumes,
não deixemos passar a flor da primavera, […].” (Sb 2,6-7). Porém Deus ama
aqueles que não estão cegos pelas maldade, “e os que são fiéis permanecerão
junto a ele no amor.” (Sb 3,9).
Seguindo esse raciocínio aparece uma segunda temática, que é
a finalidade da conduta ímpia e da justa: “os justos vivem para sempre, recebem
do Senhor sua recompensa, cuida deles o Altíssimo” (Sb 5,15); já os ímpios,
“contra eles lufarão as ondas do mar, sem piedade os rios os afogarão” (Sb
5,22). Com isso, se observa algo que se afirma sobre Deus, a saber, que ele dá
a sabedoria àquele que vive a justiça, que busca obedecer a Ele; e que estes,
Ele ama, pois, mesmo sendo provados, buscam a justiça. Seguindo o texto entra
um outro ponto importante sobre Deus: Se ele valoriza aquele que busca a Ele,
então ele se deixa conhecer, como diz o texto: “e se deixa encontrar por
aqueles que o buscam” (Sb 6,12).
Um outro tema interessante é sobre a origem da sabedoria.
Para desenvolver seu raciocínio e mostrar que realmente a Sabedoria é dada por
Deus, Salomão narra que ele é um “homem mortal, igual a todos” (Sb7,1). Todos
os reis começaram como ele, porém ele governou de uma forma diferente, ele foi
um rei mais sábio, alguém que governou melhor e isso se deve a algo que ele
recebeu: “Por isso supliquei, e inteligência me foi dada; invoquei, e o
espírito da Sabedoria veio a mim.” (Sb 7,6). Ora, antes o texto disse que Deus
concede a Sabedoria, agora se acrescenta algo a isso: ele não apenas dá como
conduz a vida daquele que está portado de sua sabedoria: “também dirige os
sábios; nas suas mãos estamos nós, nossas palavras toda a inteligência e a
perícia do agir.” (Sb 7,15-16).
Ademais, a Sabedoria que os homens recebem vem de Deus e tem
origem em Deus: “Ela faz brilhar sua nobre origem vivendo na intimidade de
Deus, pois o Senhor de tudo a amou. Ela é iniciada na ciência de Deus, ela é
quem decide o que faz” (Sb 8,3-4), e em Deus “estava presente quando fazia o
mundo;” (Sb 9,9). Sendo assim, o Deus que concedeu a Sabedoria a Salomão é o
mesmo que conduziu a humanidade desde o princípio. E é com essa explicação de
Salomão que se chega um outro tema, que é ao mesmo tempo uma afirmação sobre
Deus: o Senhor sempre esteve presente, concedendo à humanidade sua sabedoria,
até mesmo a Adão que pecou: “Foi ele que protegeu o primeiro modelado, pai do
mundo” (Sb 10,1); e também esteve com Moisés: “De êxito coroou as suas obras
pelas mãos de um santo profeta” (Sb 11,1).
Considerações finais sobre o Livro da Sabedoria
A fim de resumir o Livro da sabedoria em palavras
conclusivas, se apresenta a questão da necessidade humana em buscar a sabedoria
que vem de Deus, tornando assim, uma reflexão um tanto mais espiritual. Ora, na
famosa obra da Imitação de Cristo de Tomás Kempis, no livro I, capítulo II se
fala: “Todo homem tem desejo natural de saber; mas que aproveitará a ciência,
sem temos de Deus?”. E tantas outras vezes se fala em não presumir de
sabedoria, o que pode ser interpretado erroneamente. A ideia é o ponto central
do que ensina o livro da Sabedoria: é preciso que primeiro o homem seja
humilde, não confiando em sua ciência natural, para assim, se submeter à
vontade de Deus, seguindo suas leis e direcionamentos, somente então, receberá
do mesmo Senhor a sua Sabedoria, que não lhe trará toda ciência do mundo, mas
toda sabedoria que precisa para viver no mundo sem ser enganado pelo mal; sem se
tornando um ímpio.
Ora, o que parece ser o mal da ciência é a presunção, já que
o humilde que teme a Deus é sempre rico em Sabedoria, quer dizer, se olhar para
vida de uma santa como Catarina de Gênova, que era ignorante em tantas coisas,
porém repleta da Sabedoria de Deus em seu espírito, e por outro lado Santa
Catarina mártir, que era rica de muita ciência, mas uma ciência aos pés da
cruz, o que a fez grande sábia. Para melhor compreender pode-se refletir numa
realidade mais comum: muitas pessoas foram educadas por mães muito simples e
humildes, que dificilmente conseguiam ler o nome delas, ou que não sabiam fazer
contas básicas de soma e subtração, porém eram ricas em Sabedoria para aconselhar,
para corrigir, para educar, etc.
[1] SCHROER, Silva. O Livro da
Sabedoria. Presente na obra: Introdução ao Antigo Testamento. Trad. Werner
Fuchs. Edições Loyola: São Paulo, 2003, pag. 349
[2] Cf. Idem.
[3] Ibid. Pag. 350
[4] Idem.
[5] Idem.
[6] Ibid.. Pag. 356
[7] Cf. Ibidem.
[8] Ibid. Pag. 357
[9] SKA, Jean-Louis. O Antigo
Testamento: Explicando aos que conhecem pouco ou nada a respeito dele. Trad.
Leonardo Agostini Fernandes. Paulus: São Pulo, 2015. Pag. 123
[10] CNBB. Mês da Bíblia 2018
– Para que n’Ele nossos povos tenham vida. Edições CNBB: Brasília, 2018. Pag.
15
[11] Ibid. Pag. 29
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