Resenha - Cristo, Maria, a Igreja e os povos. A Mariologia do Papa Francisco.
Cristo,
Maria, a Igreja e os povos. A Mariologia do Papa Francisco.
Romulo
Freire
No pontificado de Francisco se
faz uma leitura de uma espiritualidade pastoral e teológica em chave mariana, em
que o discernimento evangélico se faz percebido por meio dos seus gestos para
com a Virgem. Em sua primeira aparição popular convidou o povo para a oração da
Ave-Maria, no dia seguinte foi a Basílica de Santa Maria Maior, primeiro templo
dedicado a Nossa Senhora no Ocidente, e assim confiou a ela seu ministério, invocando
sua proteção sobre o povo de Roma.
Francisco vive a piedade
mariana em sintonia com a fé do Povo de Deus, sua mariologia é aplicada à vida
e à experiência da fé do povo, sendo que o encontro com Maria o ajuda em um
encontro permanente com Jesus. A devoção do Papa pela Virgem foi vivida em seu
seio familiar, além de práticas religiosas e devoções, teve contato com a
família salesiana, aprendendo a rezar o terço diariamente. Sentimos esta
experiência mariana em seu ministério petrino, com o seu magistério e
ensinamento pastoral centrado no evangelho, com acentuação querigmática,
ressaltando as verdades de fé ordenadas pela caridade.
Como lugar teológico que pode
pensar a fé e a missão, a piedade popular por inúmeras expressões ensinam muito
sobre a figura de Maria. A teologia
mostra que Maria é mãe de Deus, e a piedade popular desponta a vivência como Igreja
que ama e Crê nesta Mãe, assim como o papa mostra como aprendeu a amar a Virgem
através da fé e devoção de sua vó Rosa.
A fé popular é simples, mas
leva consigo uma teologia que não erra por ser impulsionada pelo Espírito
Santo, os fiéis são infalíveis no crer e mostra a infallibilitas in credendo através do sentido sobrenatural da fé do
povo caminhante. O Papa diz que aqueles que desejam saber quem é Maria, pergunte
aos Teólogos, mas se desejam amá-la, aprenda com o povo.
A Igreja, Maria e Cristo estão
ligados e dependem do princípio de cooperação da humanidade no plano salvífico,
tendo como único mediador Jesus Cristo. Na encarnação, o sim da Virgem
representa a cooperação humana e eclesial com o agir divino, assim como em
Cristo o ser humano está no centro, pois Jesus é o modelo divino e escatológico
do homem, revelando o homem ao próprio homem. No Filho, que entrega sua Mãe
como nossa mãe para nos guiar a Ele, a Virgem está no centro devido a
gratuidade do amor, refletindo a misericórdia divina.
Como primeiro Papa proveniente
da Igreja da América do Sul, Francisco escolhe o nome que designa a união com
Cristo, a salvação do ser humano e a renovação missionária, de modo a oferecer
respostas aos dramas do homem por meio da pobreza, paz e criação. O Pontífice por
meio da EvangeliiGaudium, convoca a Igreja em saída, visando a conversão
pastoral e missionária em vista da transformação da realidade. Dois temas presentes no evangelho são
trazidos à tona, os pobres e a paz, desse modo, seguindo o exemplo de São
Francisco, os cristãos devem voltar-se aos pequenos, fracos e abandonados;
cuidando da fragilidade do povo e do mundo empenhando-se na propagação do amor
e da paz.
Na Igreja latino-americana os
santuários marianos são lugares em que os filhos se encontram com a
misericórdia do Pai, expressa na ternura da Mãe, para olhar e deixar-se olhar
pela Virgem. As peregrinações aos santuários são uma imagem plástica e móvel da
vida teologal do Povo de Deus peregrino na história, em direção a plenitude do
Reino de Deus.
A missão da Igreja é tornar
transparente o conteúdo do Evangelho, o Papa crê que o Espírito Santo realiza
na Igreja uma harmonia das diferenças a partir da novidade da alegria
evangélica que é uma chave deste pontificado, pois a Igreja contemporânea vive
um tempo de alegria, paralelo ao tempo da misericórdia. Em 2013, Francisco
citou três vezes a frase “a doce e confortadora alegria de evangelizar”, assim o
pontífice se refere ao Magnificat como canto de alegria do amor de Deus sempre
maior, que olhou a pequenez de sua serva, canto que partilha o olhar de Maria e
recorda as grandezas do Senhor.
A chave hermenêutica do
pontificado de Francisco é a misericórdia, como revolução da ternura de Deus, entendendo
suas iniciativas: a bula Misericordiae vultus,
o ano jubilar da misericórdia, o dia mundial do pobre. Abre-se a compreensão
para seu ministério petrino, em especial, no capítulo oitavo do documento Amoris Laetitia, onde exorta a acompanhar,
discernir e integrar a fragilidade das pessoas que sofrem difíceis situações
familiares. É a lógica da compaixão, que reconduz a Igreja a um estado de
conversão missionária, testemunhal e pastoral, compaixão essa que alcança
primeiramente Maria, ícone da misericórdia, na sua imaculada concepção e quer
chegar a todo povo.
A teologia argentina do povo,
no qual Francisco bebe nas fontes da Suma Teológica de São Tomás de Aquino,
modelo tomista característico do pensamento contemporâneo teológico na Argentina,
unindo aos problemas do nosso tempo, de maneira clara e concreta, pois pensa em
sua história, política, encarnada e inculturada no mundo de hoje. O centro do
Evangelho é a caridade, não os preceitos, que tornam pesada e pouco atraente a
fé para uma multidão sedenta de Deus, em sua existência, no sentir, ter contato
direto, encarnado com as misérias e os sofrimentos que assolam nossos
semelhantes, nas mais variadas realidades.
A Igreja diante da pluralidade, assume os mais
diversos rostos, faces, feições reais, não abstratas do povo, por isso uma definição
mais precisa para esse pensamento é a teologia do povo de Deus. Uma teologia
pastoral que privilegia a opção preferencial pelos pobres, a piedade popular e
a missão da Igreja, que somos “nós”, sujeito histórico, com suas relações no
mundo social, político, econômico e cultural, num movimento dinâmico, sempre em
transformação. Deve-se estar sempre atento para que o povo de Deus, sujeito
comunitário, cumpra sua missão de evangelizar de maneira cada vez mais eficaz e
fecunda.
O Papa Francisco aderiu a
espiritualidade do Beato Isaac da Estrela, (abade cisterciense de Étoile, na
França, no século XII) para melhor expor sua compreensão de Maria, mistério de
Deus, na Igreja e no povo de Deus.
Em Aparecida, ainda como
Cardeal Bergoglio, deu à Mariologia uma consonância entre Maria e a Igreja,
usando da fala do Beato Isaac da Estrela, que fazia a relação de “Maria, a
Igreja e a alma humana”. Ele pega o pensamento de Ratzinger, que cita um
pensamento de Von Balthasar: “A Igreja é mulher, é mãe, é viva e o vínculo de
comunhão com Maria nos leva a ser Igreja”. Tanto Maria quanto a Igreja são
virgens e mães, concebem do mesmo Espírito Santo e dão à luz o mesmo Filho. Maria
dá à luz sem pecado e a Igreja dá à luz na remissão dos pecados; Maria concebe
pelo Espírito Santo para o nascimento de Cristo em Belém, e a Igreja para o renascimento
dos cristãos no Batismo. Nem Maria nem a Igreja dão à luz totalmente sozinhas,
nem são independentes entre elas, a partir do momento que estão e agem unidas,
podendo dizer que a Igreja dá à luz aos cristãos com a colaboração de Maria, a
Mãe de Jesus.
Colocando Maria como evidência,
à Igreja como missionária e caminho à conversão, o Papa Francisco interessado pelo
papel missionário e transformador, que Maria na Igreja consegue realizar,
aponta para o Concilio Vaticano II, que ainda não se encerrou, pois à luz do
Evangelho significou uma releitura do Evangelho à luz da cultura na atualidade.
O papa convida toda a Igreja, para uma renovação espiritual e estrutural a
partir das raízes evangélicas, para uma autêntica missão.
O Papa acrescenta que a grande
revolução é ir nas raízes, acertá-las e ver aquilo que estas raízes devem dizer
ao dia de hoje. A reforma eclesial, indicada pelo Concílio, é ressourcement para o retorno à fonte do
Evangelho e aggiornamento para
atuação na atualidade. É avançar no caminho de reforma, enxertando-se e enraizando-se
em Cristo, conduzido pelo Espírito no empenho e na criatividade da obra
renovadora do Espírito Santo, o qual renova e rejuvenesce a Igreja.
O objetivo do Papa é promover a reforma a partir das periferias, retornando
à pobreza evangélica e gerar um empenho em favor dos pobres. As periferias não
são somente lugares privilegiados de missão, mas também horizontes
hermenêuticos que ajudam a conhecer a realidade, buscando um modelo social
alternativo de desenvolvimento, justiça e paz.
A Igreja tem pensado e atuado
a missão que inclui “a conexão íntima que existe entre evangelização e promoção
humana. Assume “a opção pelos últimos, aqueles que a sociedade descarta e
rejeita”. Cristo se fez pobre, assim é a nossa fé em Cristo pobre, que se fez
pobre e sempre se aproximou dos pobres e marginalizados, em vista do
desenvolvimento integral.
Nossa Senhora de Guadalupe foi
o acontecimento decisivo para a evangelização, em que o sopro de Deus operou em
Maria para gerar um povo novo em Cristo. No acontecimento em Guadalupe,
presidiu junto com o humilde João Diego, o Pentecostes que nos abriu aos dons
do Espírito.
Na América Latina, Maria é o
sinal mais belo da sua proximidade afetuosa e a mulher mais amada pelo coração
dos povos, que é o santuário de Deus, a Virgem doada a América Latina, notado
na vida quotidiana e na cultura comum. A Igreja latino-americana tem uma
original piedade mariana moderna que não se gerou como nas Igrejas europeias do
cristianismo antigo medieval, assim Maria quis aparecer mestiça como o povo,
mostrar-se grávida como à sua prima Isabel, piedosa com as mãos juntas, mas ao
mesmo tempo abertas para receber o povo, quis mostrar-se a um pobre índio que
ia para o trabalho.
A misericórdia do nosso Deus
nos alcança pela ternura materna de Maria e da Igreja, no qual os nossos povos
“encontram a ternura e o amor de Deus no rosto de Maria”, que brilha a dimensão
misericordiosa da maternidade da Igreja. Desde a antiguidade ela é invocada como
Mãe da Divina Misericórdia, Nossa Senhora da Misericórdia, Mãe do
Misericordioso, pois ela recolhe, protege e cuida de todos os seus filhos, em
todas as suas necessidades, nas feridas e nas angústias.
No coração da Mãe podem ser
vistas “as vísceras de misericórdia do nosso Deus”, pois ela conhece
profundamente a misericórdia de Deus, participou na paixão e morte do seu
Filho, como Mãe das Dores participa de modo singular, no Sacrifício que revela
o coração paterno e materno de Deus. Na ternura materna da Theotokos, infunde uma peculiar nota de doçura, a oração Salve
Rainha pede à Maria para não se cansar de dirigir a nós os seus olhos
misericordiosos a fim de que se faça ver Jesus, fruto bendito do seu seio,
rosto radiante da misericórdia de Deus.
Maria é Aurora do Evangelho nesta
etapa da história, na nova evangelização, assim como Paulo VI chamou Maria como
Estrela da evangelização, a nossa Igreja regional a chamou “Estrela da Primeira
e Nova evangelização”. Maria, vida, doçura e esperança nossa, é a Aurora da
manhã luminosa do Evangelho no mundo e a Estrela nas tantas noites históricas
da evangelização, até que o Senhor venha.
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