Resenha - Cuidar da Casa Comum - Afonso Murad e Sinivaldo Silva Tavares


“CUIDAR DA CASA COMUM”
Victor Benincasa Borejo

Tamanha é a revolução causada pela encíclica ecológica do Papa Francisco, Laudado Si’, que muitos pensadores e teólogos ajudam a interpreta-la, dentre eles se encontra o livro de organização de Afonso Murad e Sinivaldo Silva Tavares, “Cuidar da Casa Comum”. O livro é constituído de 16 capítulos, cada um deles escritos por algum autor diferente, geralmente teólogo, que comentam a encíclica.
De um modo geral, neste livro, vemos que os autores, por meio da reflexão da encíclica, nos chamam a uma mudança de vida integral, que deve nos levar a encontrar novamente nosso lugar na criação, como aqueles que devem geri-la e não a explorar ao extremo.
Pois, a preocupação com a destruição do planeta é algo que deve atingir a todos, é necessária uma mudança interior na mente e no coração, o inicio desta mudança deve se dar com a analise da realidade do planeta, como estamos consumindo os bens e destruindo ecossistemas. Isso deve nos levar a um novo começo, um novo estilo de vida, uma nova forma de produzir e consumir.
Isso é uma proposta global e total, passar de uma ecologia verde, que somente – influenciada pelo ambientalismo – reduz a criação ao ser humano e ao seu usufruir; para uma ecologia integral, que perpassa todos os âmbitos da vida humana, coletivos e individuais e do planeta. Devemos vencer o “paradigma da dominação” (o ambientalismo), e propor um novo paradigma “tudo é relação e todos estão interligados” (o ser humano é visto como parte superior da criação, mas chamado a ter um zelo e uma responsabilidade com ela.
Dessa forma, se está tudo interligado, a saúde humana depende da saúde da terra, sendo o contrário também verdadeiro. Por isso, junto com os problemas ambientais, devemos também analisar os problemas do ser humano como um todo, pensando soluções conjuntas.
Em seguida, se afirma que a encíclica papal, é um dialogo comum, dirigido a todos, sobre a nossa casa comum e um convite a escutar a voz dos pobres. Se se trata de um dialogo dirigido a todos e a tudo, devem-se inserir também todos os ramos globais, político, social, econômico etc. Mas também deve levar em conta aquele que tem fé, pois o cuidado com a criação é um dever a frente da natureza (cultiva-la e guardá-la).
Se analisar a fundo, tais afirmações, se observa que deixar de cuidar da casa comum, trata-se de um pecado contra Deus, pois acaba por denegrir aquilo que é d’Ele e criado por Ele, e confiado ao ser humano. Dai, pode-se afirmar que a crise ecológica, não é somente uma crise natural e social, mas sim uma crise espiritual da pessoa humana.
Portanto, se pecamos contra Deus, somos chamados a uma conversão ecológica, que deve se iniciar na singularidade da pessoa e atingir os níveis integrais e globais abrangendo toda a humanidade. Deve-se, para tanto, ter uma espiritualidade ecológica, que coloque sentido a reconciliação da criação, levando a comunidade a caminhar.
Assim, o livro analisa o processo de conversão proposto pela Igreja a partir do Concílio Vaticano II, e passando de uma conversão pastoral (visa a conversão das pessoas a vida, não a Igreja), devemos ter uma conversão ecológica, pois os problemas ecológicos atuais devem nos questionar sobre o nosso trato com a natureza. Devemos ter a consciência de que estamos integrados com o mundo e seus elementos e, por isso devemos cuidar de tudo.
Neste aspecto, o livro trata da evolução do conceito de ecologia a partir dos documentos da Igreja (Rerum Novarum até a Laudato Si’). O primeiro conceito é o de ecologia criacional, em que o ser humano é o senhor da criação; depois vemos o conceito de ecologia ambiental, em que o ambiente passa a ser visto como um espaço onde o homem habita e depende dele para a vida acontecer; em seguida vemos o conceito de ecologia humana, em que o homem é responsável por submeter e dominar a terra, não com um poder absolto, mas com limites; por fim, a Laudato Si’, propõe a ecologia integral, em que todos os campos da vida do homem e o meio ambiente são englobados, incluindo os pobres.
Ao tratar da preferência pelos pobres, o livro, lembra a encíclica que nos chama ao tratar dos problemas ambientais, também devemos, nessa ecologia integral, tratar de todos os problemas humanos. Por isso, deve-se buscar a justiça com os pobres, o meio ambiente e aqueles que sofrem.
Dessa forma a ecologia entra de vez como parte da Doutrina Social da Igreja, pois ela está intrinsecamente ligada ao ser humano e por meio da ecologia integral deve ser tratada como um todo quando discutida. Isso permite ver a ecologia como ciência da biosfera, por isso devemos avaliar as ações humanas até hoje e suas consequências em relação ao bem comum da “casa comum”.
Por isso, afirma que uma há uma visão errada do homem e a natureza causada pela tecnologia. Tal visão, faz com que o homem esteja separado e acima da natureza, não mais fazendo parte dela, o que causa os abusos de tão preciosos bens que tal natureza pode nos oferecer. Dessa maneira, é necessária uma realidade ecológica que entende a necessidade de integrar o homem com todas as áreas de sua vida.
Retomando a questão dos pobres, o livro afirma que a aflição da terra e do pobre é o eixo organizador da encíclica, sendo que existe um paralelo entre a abordagem ecológica com a social. Critica dessa forma, o capitalismo (que é denominado no livro e na encíclica como “paradigma tecnoeconômico”), afirmando que é necessário um sistema normativo que coloque fim no consumismo obsessivo.
Após isso, o livro procura tratar sobre o dialogo com o ecumenismo, e traça um paralelo entre ele e a ecologia, pois ambos os termos foram durante muito tempo, pouco tratados e hoje vem à tona por conta do diálogo para a solução das crises. Por isso o papa chama de “casa comum”, o planeta, pois é onde todos vivem, e de que todos devem cuidar e zelar por ele (cultivando a aliança não a dominação).
Tomando consciência da casa comum e também dos movimentos ecológicos do século XX, observa-se que não houve preocupação de luta pela “casa comum”, por parte da Igreja, sendo um movimento ecumênico que alteraria tais fatos. Somente com a Laudado Si’, que se em atenção da Igreja para o meio ambiente, buscando sua responsabilidade quanto a ele.
De fato, vivemos em uma nova era, é necessário, portanto, conhecer a sociedade. Essa sociedade, nossa vida, é configurada a partir do “paradigma tecnocrático”, que é um paradigma homogêneo e unidimensional. É ponto fundamental para se entender a realidade atual em seu todo, a técnica moderna (um elemento determinante da realidade).
Tal tipo de pensamento, leva a um antropocentrismo moderno, que coloca a razão técnica acima da realidade, o ser humano passa a ser o centro. É necessário reconhecer o valor do ser humano acima das outras criaturas, esse deve ser capaz de amar e dialogar.
Com esse antropocentrismo, toda a existência do ser humano é marcada pela técnica, que altera a sociedade, os hábitos, costumes, instituições; que condiciona a vida das pessoas e o funcionamento da sociedade. A técnica, dessa forma, se apresenta como um poder universal que perpassa e atinge tudo interna e externamente. Exemplo disso é a globalização, que transformou profundamente a vida de um modo geral e acelerou as mudanças na sociedade.
Portanto, a crise ecológica pode significar um espaço aberto para nos conduzir para a substituição do paradigma atual. Para isso, devemos procurar limitar a técnica, orienta-la e coloca-la ao serviço de outro tipo de progresso mais saudável. Busquemos uma ética mais reta, respeitando a pessoa humana, prestando atenção ao mundo natural.
Dessa maneira, devemos pensar em um modelo de economia e de vida que alcance a todos, incluindo os mais pobres. Isso de fato é pensar na casa comum, pensar em todos, em que todos se responsabilizam, cuidam e zelam., desenvolvendo uma sociedade mais justa e comum a todos.
Tais pensamentos e tão grandes mudanças, devem nos levar a uma verdadeira espiritualidade do cuidado para toda a criação (deve nos impelir à doação), afirma o livro. Ela tem seu fundamento na visão integral do mundo, das criaturas e da vida. É necessário viver em comunhão, ver-se parte da criação, vivendo como iguais, combatendo injustiças e procurando dar aos menos desfavorecidos seus direitos, devemos procurar a simplicidade e o despojamento.
Para alcançar tal espiritualidade ecológica, é preciso contar com todas as áreas do saber, para que também elas sejam perpassadas por tal espiritualidade. É preciso se relacionar virtuosamente com as coisas, dando a elas seu valor. O homem tem que saber seu papel na criação, sem esquecer de cuidar e zelar por ela. Isso somente será realizado ao superar a crise ecológica, por uma verdadeira conversão comunitária e global.
De fato, afirma o livro, juntamente com a encíclica, que o maior culpado da crise tratada em todo o texto é o capitalismo com o avanço da tecnologia, que por querer o lucro exacerbado, transforma o meio ambiente e as pessoas em produto, gerando desequilíbrios e desigualdades. O que o Papa nos chama a fazer é nos unirmos como uma família e lutarmos para que procuremos um desenvolvimento sustentável e integral, procurando sempre dar prioridade aos mais pobres e injustiçados.
Por fim, nos são dadas dicas pastorais para conhecer e colocar em pratica a Laudato Si’. De se início afirma que aquilo que fora tratado anteriormente serve como que um mapa para se compreender tal encíclica, e agora busca-se introduzir as pessoas para conhece-la e colocar em prática.
Ressalta a importância da “fusão de horizontes”, da experiencia pessoal e comunitária com o texto inspirador, para que se entenda e pratique tal documento papal. Para isso ele propõe e apresenta sugestões de trabalho, dirigida a várias pessoas e movimentos da Igreja.
Por isso, deve-se primeiro promover um diálogo inter-religioso (a encíclica possui poucos parágrafos confessionais católicos), motivar as pessoas a conhecerem o texto inteiro e meditar seu conteúdo.
Para se colocar o documento em prática, devemos mudar nossa ecopercepção, superando aquela ideia de que o meio ambiente está fora de nós, vencendo o preconceito de que a ecologia é assunto de só alguns tipos de pessoas. É perceber que tudo está interligado e que tratar de ecologia, é mais do que preservar a natureza.
Em seguida, chama a atenção para que o estudo da Laudato Si’ se conclua com práticas concretas, perceptíveis e avaliáveis. E recorda que a própria encíclica propõe algumas, e propõe alguns princípios metodológicos que devem ser tomados em vista: Utilizar textos breves, dividir bem o tempo dos encontros, articular os estudos do documento com a Campanha da Fraternidade, utilizar músicas para o tema e outros.
Com isso, passa-se alguns roteiros de encontros, com uma reflexão do texto da encíclica e a produção de alguns materiais. Para que se tenha bom conhecimento do documento, e aconselha-se que eles sejam realizados em um parque, ou bosque, para que as pessoas se sintam parte do ambiente. Então sugere, algumas ações concretas como: eventos e campanas (caminhada ecológica, passeio ciclístico etc.), processos (coleta de óleo, horta urbana etc.), gestos institucionais da Igreja (encontros e retiros para se utilizar mais os ambientes externos etc.).
Por fim, com as palavras do papa conclui o capitulo e o livro:
Deus, que nos chama a uma generosa entrega e a oferecer-Lhe tudo, também nos dá as forças e a luz de que necessitamos para prosseguir. No coração deste mundo, permanece presente o Senhor da vida que tanto nos ama. Não nos abandona, não nos deixa sozinhos, porque Se uniu definitivamente à nossa terra e o seu amor sempre nos leva a encontrar novos caminhos. Que Ele seja louvado! (Ls 245).

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