Resenha do Livro: Jesus, a humanização de Deus
José Orlando de Jesus Junior
A
obra “Jesus, a humanização de Deus” trará os conceitos para compreender a
problematização cristológica levantada por José Maria Castillo. São dados
importantes para podermos falar da pessoa de Jesus, conhecer Jesus e aprimorar
a nossa convicção sobre a pessoa Dele, assim, fazer com que tenhamos as
atitudes de Jesus.
Para
tal feito, Castillo, discorre sobre os dogmas cristológicos que foram
compilados tão preocupados na transmissão do conhecimento da Pessoa de Jesu,
que até hoje temos a vigilância constante da Congregação para a Doutrina da Fé
(Antigo Santo Oficio) sobre aquilo que é ensinado sobre Jesus. Deste modo, a
partir do séc XVIII começa a fascinação de querer saber sobre a existência de
Jesus, se as palavras contidas no Evangelho são de fato verdadeiras ou não, e hoje
se preocupa mais no conhecer do que viver como Jesus. Ora, Tudo aquilo que
sabemos nos dias de hoje referente a Jesus, principalmente através dos quatro
evangelhos, devemos ter em consideração que seus escritos foram feitos após a
manifestação da divindade na sua ressurreição e como isso foi desenvolvido
pelas comunidades e por consequência, sabemos mais sobre o Cristo da fé do que o Jesus
histórico.
O
autor prossegue, apresentando o exercício de atualizar-se em relação a
cristologia, pois, é necessário para dar as respostas corretas em relação a
pessoa de Jesus e como seria a sua atuação perante a atual realidade, principalmente
em um mundo que hoje possuí tantos questionamentos devido a atual crise. Deus
não é mais um conceito absoluto, como era pela filosofia, metafisica e religião
que construiu um deus na mente dos crentes e não crentes, criaram um objeto com
o qual se relaciona, crendo que seja Deus e com as constantes mudanças que o
mundo passou, a globalização é a que mais vem gerando impacto, dentro deste
cenário globalizado, como diz o Santo Padre para que sejam construídos pontes e
não muros, não pode ser feita mais uma cristologia excludente.
Para
Castillo, muitas vezes, Deus acaba sendo motivo de guerra de violência contra
muitas pessoas, como por exemplo, pode se ver diversas doutrinas religiosas que
condenam meios eficazes para a cura e a disseminação de doenças. E como todo o
ser humano já nasce influenciado pelo meio em que vive e automaticamente
carregamos traços culturais que são “impressos” em nós pelo ambiente em que
vivemos, a religião acaba sendo doutrinadora para muitas deixando fechadas em
si mesmo.
Se
pensarmos seriamente, Castillo nos obriga a perceber que o problema central,
que todos temos na vida, consiste em superar a desumanização que todos levamos
inscrita no mais profundo de nosso ser, para ir alcançando, até onde nos seja
possível, a humanidade que nos é própria e na medida em que possamos alcançá-la,
logo, o problema posto aqui é: Cristo veio salvar-nos do pecado para nos
divinizar ou, antes, veio libertar-nos de nossa desumanização para, assim,
humanizar-nos?
Com
isso, o autor quer salientar que, o pecado original não existiu, o mito do
Livro do Gênesis vem de tradições religiosas desconhecidas, e servem apenas
para explicar o mal no mundo, ademais, o pecado original serve para isentar a
Deus da culpa, e jogá-la sobre os ombros dos homens. Os textos bíblicos,
principalmente Gênesis capítulos 4, 6 e 11, nos revelam que somos humanos
desumanizados.
Em
suma, para Castillo, em Jesus descobrimos que a humanização de Deus transcende
o humano porque supera e elimina qualquer indício ou forma de desumanização e partindo
dos elementos constitutivos do homem, a saber, carnalidade, alteridade e
liberdade, Deus se encontra no humano, mais do que no sagrado ou em qualquer
outro lugar.
Castillo
afirma que, nos quatro evangelhos encontramos relatos de ações prodigiosas de
Jesus em relação a saúde, pois o evangelho é uma mensagem religiosa e essas
passagens de cura querem nos ensinar, que a vida e a saúde do homem vêm antes
dos cultos religiosos. Com isso, os evangelistas querem mostrar que Jesus foi tão
humano, que se colocou do lado da vida em todos os momentos. Em outras
palavras, não é um princípio ontológico, um título, um cargo, um ofício ou uma
dignidade que identificam Jesus de Nazaré e as ações de Dele, mais
especificamente, as curas realizadas por ele, provocavam as autoridades
religiosas, porque transgrediam as normativas religiosas.
Jesus,
segundo Castillo, queria desmascarar a enorme contradição da religião e de seus
dirigentes, porque estes antepunham as práticas religiosas acima da dignidade
humana, para garantir a honra e a obediência, não a Deus, mas a eles mesmos.
Castillo, além do mais, apresenta a continuação
da missão de Jesus, pela força da comida partilhada, isto é, a
comensalidade. Jesus tomou, uma vez mais, como pressuposto a sociedade em que
se fez presente, onde havia uma deturpação da comida, utilizando a mesma como
objeto de obter favores, vantagens e alcançar interesses.
A comensalidade tem por objetivo
salientar a intimidade que brota da mesa repartida, que é símbolo universal da
proximidade humana, e não é apenas dar comida, mas partilhar a mesa e é
comunhão que nos torna transparente e nos uni, partilhamos nossas forças e essa
união gera alteridade.
A partir das refeições, na tese de
Castillo, Jesus nos deu a conhecer a Si e ao Pai que está no céu, isso porque,
nosso Mestre, de forma impressionante, mostrou sua humanidade, não associando
Deus Pai a uma imagem autoritária ou de dominador, pois não se sentava à mesa
com personagens, figuras políticas e religiosas que oprimiam o povo, e o Deus
que se revela nas refeições se importa, sobretudo, com a experiência humana,
não com a prática religiosa, dando preferência em repartir a mesa com os pequenos
e últimos. A última Ceia, é o exemplo disso, nos ensina que a eucaristia é
um ato de comensalidade, não algo meramente sacramental. Ademais, na ceia
derradeira não pode-se abdicar do caráter humano, sendo assim, a humanidade de
Jesus está acima das exclusões que muitas vezes são causadas pela religião. E o
momento culminante disto tudo, se dá na ressurreição, onde temos um Deus
glorioso que come com os outros e se faz presente com os humanos
fundindo-se com eles, chamado pelo autor de experiência humana de
comensalidade.
A
partir disso, a coisa mais difícil da vida, segundo Castillo, é as relações
humanas. Jesus se empenhou a fundo e entendeu claramente que a honra e a
riqueza destroem essas relações, sendo assim, Ele escolheu praticar o princípio
de bondade, sendo isso, sua ética. A ética da Bondade posta por
Jesus, nos ensina três pontos fundamentais. Primeiro o amor aos inimigos, isto
é, o quererdes a si mesmo façais aos outros. Segundo, assim como o Pai, temos
que ser bom com todos, isso é estar para além do bem e do mal. E em terceiro
lugar, o Deus humanizado, sendo ele o amor, nos conduz a amar os últimos desse
mundo, que supera o típico da condição humana.
A bondade que Jesus escolheu viver,
segundo o autor, nos ensina que a partir dessa perspectiva humana, a felicidade
pode ser alcançada, pois desejando que o outro seja feliz, neste ponto que
consiste a minha felicidade. Ademais, surge aqui, o protagonismo leigo, pois
Jesus era leigo, para segui-lo não devemos aceitar classes de dignidade, não
devemos colocar nossa felicidade em coisas triviais, não deve-se exigir
privilégios e se colocar como superior, o ponto é aceitar o evangelho, pois
Jesus respeitou as diferenças e com isso conquistou a felicidade suprema,
colocando suas almas em comum.
O autor da continuidade em sua obra,
chamando nossa atenção para fazer uma boa cristologia e, sem mais delongas, é
preciso abandonar a ideia de um Deus excludente, pois, Deus não pode ter se
encarnado em Jesus para separar, distanciar e colocar em conflito os seres
humanos. Ora, somente a partir desse critério se pode fazer cristologia que
tenha o interesse de realizar uma reflexão séria e responsável. Todavia, alguns
textos do Novo Testamento insistem na afirmação segundo a qual Jesus, o Cristo,
é o único Mediador entre Deus e os seres humanos e, portanto, é igualmente o
único Salvador, partindo dessa afirmação a Igreja tem acentuado que fora de
Cristo e fora da Igreja não há salvação, essa visão, no entanto, arroga para o
cristianismo um status de única religião verdadeira e que possui uma
superioridade em relação as demais religiões do mundo. Desse modo as demais
religiões e seus adeptos ficam condenados à exclusão decorrente do erro e da
falsidade, porém, a reflexão teológica não pode ser indiferente ao cenário de
pluralismo cultural e religioso presente em nossa sociedade e, o diálogo
inter-religioso é extremamente necessário.
O modelo de reciprocidade, por sua
vez, afirma Castillo que é a Realidade última, mas que são muitas as expressões
culturais dessa Realidade, dessa maneira, Jesus é tomado como referência para
se compreender o poder de salvação presentes nas demais tradições religiosas.
Entretanto, é apresentado o modelo da aceitação, no qual, pode-se perceber uma
postura de maior abertura e tolerância.
Em
resumo, Castillo, partilha que em Jesus, Deus encarnou-se na humanidade, na
condição humana, no mínimo da condição humana, ou seja, naquilo que é próprio
dos seres humanos de forma que está presente em todos eles, embora fosse um judeu
profundamente inserido no contexto religioso de sua época, Jesus não hesitou o
conflito com o modelo de religiosidade de sua época, confrontando todas as
normas e ritualísticas religiosas, pois a observância religiosa de sua época
marginalizava e excluía. Não obstante, na medida em que a religião não põe seu
centro no humano, mas em uma realidade infinitamente superior ao humano, nessa
mesma medida a religião desumaniza, desembocando num radicalismo e
posteriormente num fanatismo religioso, nos quais, o diálogo e o bom
relacionamento entre as pessoas se tornam impossíveis.
O
projeto religioso apresentado por Jesus e presente no Evangelho é o da
convergência, que se deve viver a partir do pluralismo, da acolhida das
diferenças religiosas, sendo assim, tendo como base a tese do Castillo, a
verdade das religiões não deve ser buscada por meio da ortodoxia de suas
teologias, mas pela qualidade de suas soteriologias, isto é, dizer que o
importante é saber de que maneira a religião consegue levar a vida a tantas
pessoas que se encontram inseridas em situações aonde ainda reina morte, dando
a elas um verdadeiro sentido para que possam viver com dignidade.
Sem
dúvidas, a cruz é a máxima expressão da violência contra Jesus e contra Deus,
mas também contra nós, pois ao afirmarmos que ele morreu por nossos pecados,
estamos afirmando que somos responsáveis e os culpados por tamanha dor, no
entanto, “o problema mais grave que tudo isso coloca é associar Deus a
violência, de modo que “Deus se nos
revela contraditório, já que a máxima bondade e a máxima crueldade não pode
coincidir num mesmo ser.” Sendo assim, o
questionamento que se apresenta é se foi Deus quem decidiu a morte de Jesus ou
a morte de Jesus é uma consequência da vida, da pregação e do projeto que ele apresentou?
É
preciso saber até que ponto se pode explicar que o supremo bem, a salvação,
tenha que ser alcançada mediante o supremo mal, a dor, o fracasso e a morte. A
justificativa frequentemente apresentada é que Jesus Cristo morreu por nós ou
também por nossos pecados, ele morreu em nosso favor ou também por nossa culpa,
contudo, essa teologia permite que a concepção de um Deus que usa de violência
para salvar continue presente na história.
No
entanto, o que a morte de Jesus quer significar é que o verdadeiro culto é o
oferecimento de si mesmo, é a vida que se leva na totalidade de sua existência,
pois Jesus não ofereceu a Deus um rito, mas ofereceu a si mesmo, assim, “a
religião que Deus quer é a religião da própria vida, a vida honrada, honesta,
bondosa, serviçal e solidária.” Jesus,
portanto, uma salvação que humanizante.
Por fim, tudo isso é
algo que não surge naturalmente da simples condição humana por isso, segundo
Castillo, somente a humanização que supera a inumanidade, que é possível graças
a presença de Deus, por meio de Jesus Cristo, em nossas vidas. Ora, Jesus não
aceitou nenhuma forma de religião, pois essas se delimitam em desumanizar o Ser
Humano. Somos convidados a caminhar com respeito e sem desigualdade, nem que
isso altere o sistema organizativo da Igreja. Lembremos, em primeiro lugar,
sempre, o Ser Humano.
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