Resenha - Jesus, o Galileu - Senén Vidal

Resenha – Jesus, o Galileu – Senén Vidal

 

                                                                                                                                 Romulo Freire

No movimento do cristianismo nascente, no judaísmo da palestina do século primeiro, acontece o evento histórico Jesus de Nazaré, condicionado a várias possibilidades, em um processo evolutivo no acontecimento histórico da missão de Jesus; cujo cume neste episódio salvífico é o reino de Deus, com intenção de renovar a história do povo de Israel, como fermento na massa, a transformar a história de todos os povos da Terra.

Este acontecimento libertador de Deus tinha projetos com características próprias, deixando entrever o sentido decisivo, da ligação de Jesus com a missão de João Batista, que marca a etapa inicial e tem uma identidade histórica própria.

O batismo que Jesus recebe é um fato escandaloso para os grupos cristãos, interpretado de diversos modos. A missão de Jesus só se explica devidamente a partir da conexão com João Batista que teve uma grande relevância histórica, pois a missão de João significou toda a atuação de Jesus.

João pertencia a uma família sacerdotal rural, o que caracteriza sua radicalidade, dada a sua origem sacerdotal que pregava um batismo de conversão, mediante o perdão de Deus, se opondo ao culto sacrifical do templo, dominado pela aristocracia sacerdotal opressora. Israel passa por uma crise que exigia uma mudança radical, ao qual decidiria sua sobrevivência como povo assentado em sua tradição ancestral; muitas tensões se deram neste período. A situação de escravidão política, por conta das tensões e revoltas, provocou uma profunda crise na consciência de identidade do povo, ao qual estava relacionada à posse da terra, pois em sua consciência histórica, a terra era um dom dado por Deus e por sua vez a opressão que sofriam colocava em risco aquilo que era dos mais pobres.

João Batista é tido como profeta do novo começo, utilizando dois sinais proféticos que marcaram a sua missão, o deserto e o batismo nas águas do rio, mostrando o novo começo de Israel, no qual o povo deve iniciar novamente sua história, baseado nas origens, marcado pelo deserto e a travessia do rio Jordão para adentrar a Terra prometida como herança divina.

O deserto era uma zona desabitada e não cultivada, localizado a oeste do Jordão em que João encontrava o povo, localização geográfica que fazia do batismo um novo ingresso na Terra Prometida e cultivada. O deserto simbolizava a morada de Israel antes da entrada na terra, lugar do arrebatamento de Elias, marcava o caráter profético do Batista como o novo Elias esperado e precursor da vinda de Deus, desse modo, a salvação atual de Israel deveria iniciar no lugar da libertação do povo das origens.

Existia um compromisso ético de nova conduta daqueles que tinham recebido o batismo, como nova eleição e nova aliança de Deus e quem não recebesse pertencia ao povo perdido. João que não era o agente messiânico do acontecimento definitivo de Deus, tinha como missão proclamar e preparar a vinda deste agente, denunciando as maldades e proclamando a conversão.

A expressão utilizada por João do “mais poderoso” vinculado a imagem do agente messiânico como pessoa histórica que cumpriria a função de mediador da transformação definitiva de Israel, concebido como um processo dinâmico sob dois aspectos. Primeiro, o grande Juízo do Senhor que faria a purificação do povo e das instituições, enquanto que o segundo seria o estado permanente de paz e da vida plena do povo renovado pelo Espírito de Deus.

Com os movimentos pontuais presentes naquele período causados por figuras proféticas que incitavam o povo, o movimento de João e em seguida o de Jesus, visava ser mais duradouro e estável. Após a morte de João, seus seguidores irão configurar grupos organizados.

No movimento causado por João, deve se perceber que Jesus tem contato com ele, em que a tradição evangélica traz não só um contato, mas uma ligação estreita entre ambos.

O primeiro momento é o relato da recepção de Jesus no rito batismal de João no Jordão, acolhendo sua missão e projeto. Jesus aparece como membro daquele povo, compartilhando a esperança de João de um novo começo e renovação definitiva. No batismo de Jesus ocorre a revelação como agente messiânico, como o “mais poderoso” que batizará com o Espírito, proclamando e realizando o Reino de Deus.

O segundo momento é a passagem de Jesus que acompanhou temporariamente João no deserto, não só acolheu a missão de João pelo batismo, como também permaneceu em sua companhia sendo um discípulo colaborador. A passagem no deserto é a prova de que o agente messiânico representa o povo de Israel, pois os quarenta dias que esteve neste lugar desabitado antes do início de sua missão, está em analogia com a passagem dos quarenta anos do povo de Israel antes de adentrar a terra prometida. Desse modo, Jesus eleva estes dois aspectos da missão de João: o batismo e o deserto.

O “Reino de Deus” foi o símbolo central de toda a missão de Jesus, aparecendo na tradição israelita como ponto-chave configurador da fé e da esperança do povo de Israel. O substantivo “reino” lembra o exercício dinâmico do senhorio de Deus, que supõe um âmbito social. A esperança dos israelitas se dava na renovação desse âmbito num estado de paz.

A dimensão básica do símbolo na tradição israelita foi a confissão da soberania essencial de Deus, justificado no Estado monárquico. Quando se construiu o novo Templo, o símbolo retomou seu original contexto cultíco. Podemos elencar três motivos fundamentais para este símbolo: a realeza celeste de Deus; a realeza criacional de Deus; e a realeza libertadora de Deus.

As parábolas de Jesus tinham como base a experiência da vida real dos povoados galileus e se converteram na linguagem adequada para a proclamação do Reino. As ações de Jesus evidenciam o tom criacional, e é nesse âmbito de criação e vida que se destacavam a soberania e potência salvadora. O símbolo do Reino de Deus tem, portanto, um caráter histórico e criacional, que está marcado em toda a missão de Jesus. Aí se encontra o significado sapiencial da proclamação de Jesus, o sábio criador, que na invocação de Deus como Pai, aponta para a criação e a vida, como o pai que cuida. O centro da atitude de Jesus é a vida no novo âmbito criado pelo acontecimento do Reino de Deus, que mostra o sentido mais radical da exigência da aliança. Isso implica na superação de práticas deformadoras da aliança, e na radicalização de exigências autênticas.

O Reino de Deus no processo dinâmico, realiza uma transformação gradual da realidade histórica, em que a ação de Deus não pode limitar-se a um ato instantâneo, mas supõe uma ação continuamente criadora, uma realidade aberta ao futuro (dimensão escatológica). O Reino de Deus é um acontecimento dinâmico, que irrompe e se desenvolve até a plenitude final e que tem como pano de fundo o processo histórico, aberto a várias possibilidades, que depende da sua acolhida para tornar-se um dom maravilhoso ou da sua recusa por parte do povo.

A primeira missão de Jesus esteve centrada na Galileia e nas regiões de seu entorno imediato, por um âmbito missionário aldeão que remete ao ambiente e à vida das aldeias, como costume original de Jesus. Podemos entender isso por duas razões: Jesus via a base de Israel na gente das aldeias, onde ele descobria a estrutura fundamental do povo ancestral das doze tribos, que teria de ser renovada; e era nessa povoação que estava o povo humilhado e oprimido de Israel. A transformação deste povo se concluiria num estágio final a todo povo de Israel, e seria caminho para a transformação dos povos gentios, atingindo o cume de todo esse processo que seria a época de grande paz e plenitude de vida.

A missão peregrinante de Jesus compreendia em uma nova amplitude geográfica, que se reflete igualmente em uma maior abertura, principalmente aos mais marginalizados, entretanto não deve ser entendida como condenação da vida sedentária, mas um convite à sua renovação. Seus seguidores experimentam a marginalidade, a insegurança que implicam este estilo de vida, não em vista de uma ascese ou radicalismo religioso, mas assumido em prol do povo mais necessitado.

Jesus podendo se salvar, não o faz por amor a nós, pois não poderia fazer-se salvador de si mesmo, assim, os seus ensinamentos, milagres, curas cairiam por terra, pois a salvação do mundo não teria acontecido, a morte teria um prémio, não fora vencida com o preço do sangue, da água e da dor. O autor nos aponta pela tradição bíblica os escritos dos evangelistas, Marcos (sinótico) e em João, assim como menciona a fonte Q, sobre a provável causa da acusação e morte de cruz de Jesus, a de que tinha a pretensão de ser o Rei, o rei messiânico.

Segundo o autor, depois de sua fracassada missão na Galileia, Jesus de maneira arquitetada, decide entrar em Jerusalém, pois era preciso, para que todos pudessem compreender as escrituras e as palavras proferidas por Ele, de outro modo, o fracasso era inevitável, quem iria acreditar em Jesus? Messias é vinculado a Jesus, pois já era profetizado a vinda de um novo Messias que mudaria toda a história do povo de Israel, aquilo que o Novo Testamento traz do A.T. como sendo o filho de Davi, e que outros profetas já anunciavam a sua chegada.

A oposição frontal entre o poder das autoridades do Templo com os sinais do reino messiânico realizado por Jesus; no status e poder das autoridades, percebidos por eles, significava uma ameaça a pratica messiânica de Jesus. Esse conflito contado em parábolas por Jesus, é senão a sua sentença de morte, pois as suas parábolas vão desenhando o caminho do calvário, a cruz, ou seja, as parábolas são o desenho no trajeto enquanto missão, curando, ensinado e amando o povo pobre, mas também enquanto trajeto que se dirige ao calvário. Nesse desenho, é mostrado a participação do povo, que ora estava com Jesus, mesmo com a presença dos dirigentes, ora estava do lado dessas mesmas autoridades, contrários a Jesus.

Quanto ao Reino de Deus, a morte que Jesus passou e venceu, é o caminho dado por ele de que não ficamos órfãos. Pela fé e esperança acreditamos que Jesus obediente ao Pai, fez a sua missão e voltou para quem o havia enviado. É a força salvadora da morte de Jesus que vence a morte por todos nós. Na função Salvífica da morte de Jesus é que se deu de fato a nossa salvação, sendo o amor do Pai por nós na revelação de seu Filho entregue à morte para nos livrar dos pecados que nos acorrentam à morte. A respeito da Renovação da Aliança, o autor usa da relação entre Marcos e 1 Coríntios 11, encontrando nessas duas passagens a referência sobre a Aliança Renovada, como entendimento do terceiro núcleo, como uma Nova Aliança que rompe com a primeira aliança feita com o povo de Israel.

O ponto de partida do mapa cristão da esperança, tratava-se de um novo despertar como resposta a uma situação desesperadora que era causada pela morte de Jesus na cruz, provocando em seus discípulos uma séria crise. Porém foi desvelado o sentido profundo da pessoa e da missão de Jesus, acendendo para eles a mesma esperança que os havia animado, inaugurando assim a época messiânica que Jesus esperava para depois de sua morte, com duas etapas: a do presente por um processo do Messias entronizado no âmbito celeste, e a do futuro por um processo do reino messiânico inaugurado com a parusia do soberano messiânico no âmbito desta Terra.

Jesus ao celebrar a última ceia com os seus discípulos antes de morrer, diante do aparente fracasso, convertia-se em um novo caminho misterioso pela ação suprema de Deus, renovando a sua aliança com toda a humanidade, implicando após a sua morte, a sua ressurreição e permitindo que o Reino de Deus pudesse ficar aberto ao futuro.

Apesar de Jesus estar entronizado na presença de Deus, a sua presença salvífica continua a ser experimentada na vida do povo messiânico, que aguarda a futura manifestação plena da parusia.

 

 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

RITUAL DE BENÇÃOS - CONFORME TRADUÇÃO OFICIAL DO RITUAL ROMANO.

Comentário ao Hino Cristológico de Filipenses

RESENHA LIVRO - "O SAGRADO" - RUDOLF OTTO